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Terceirização da gestão hospitalar pública gera imbróglio judicial

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Frente a patente dificuldade de gestão governamental de áreas como saúde, educação e segurança pública, e por tratar de serviços indispensáveis ao desenvolvimento e a preservação da vida, surge a necessidade de atuação de entidades não governamentais para suprir as demandas e anseios da população. Isso vem sendo feito pela transferência da gestão de serviços essenciais para essas instituições, representando o terceiro setor.

Terceiro setor é nome que se dá ao conjunto de iniciativas privadas, sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil brasileiro, que realizam serviços de caráter público, em prol do bem comum e da cidadania.

No Brasil, a terceirização de setores sociais pode ocorrer por meio de um conjunto diversificado de instituições, como as fundações, associações comunitárias, ONGs, entidades filantrópicas, partido políticos, entre outras.

A possibilidade de gestão de serviços pelo terceiro setor permite que as instituições contratadas possam sanar dificuldades encontradas pela administração pública como, por exemplo, a impossibilidade de contratação de pessoal por regime CLT, a obrigatoriedade de aquisição de bens, obras e serviços por meio de licitação.

Embora um dos primeiros registros históricos de atuação do terceiro setor no país tenha acontecido na área da saúde em meados do século XVI, com a criação da Santa Casa de Misericórdia de Santos, em 1543, a terceirização de serviços sociais ganhou força com a Reforma do Estado.

Por volta dos anos 1994/1995, o governo federal, adotando medidas neoliberais, teve que reduzir gastos nos segmentos sociais, fazendo com que as instituições, que a princípio tinham modesta participação nas demandas relativas a essa questão, aos poucos ganhassem protagonismo, tornando-se, ao fim e ao cabo, partes essenciais na prestação de serviços públicos.

Assim, em busca de uma intervenção positiva na gestão de algumas áreas de fomento no Brasil, a Lei 9.637/1998 criou um modelo alternativo de administração, por meio das Organizações Sociais (OS), cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

E foi com base nessa lei que surgiram organizações em diversos campos de atividade, inclusive para a promoção da saúde, o que permitiu um avanço no gerenciamento público de saúde, setor com graves dificuldades de direção no Brasil.

A atividade desempenhada pela OS deve ser feita com ênfase ao cidadão, que necessita da prestação deste serviço, de forma clara, transparente e objetiva.

No caso das parcerias entre a administração pública e as Organizações Sociais de Saúde é feito um contrato de gestão, no qual as OSs são qualificadas pelo poder público, para prestar atividade de interesse do Estado na implementação, supervisão e avaliação de políticas públicas.

Esse modelo de contrato deve dispor sobre as formas de compras e contratações, e as metas quantitativas e qualitativas que devem ser alcançadas para que os recursos continuem sendo repassados pelas Secretarias de Saúde em sua totalidade.

Assim, não há uma entrega total da gestão à entidade privada, tendo em vista que ainda prevalece a hierarquia e subordinação em face à administração pública, porque esta fica responsável pelo repasse financeiro por meio do órgão público contratante e as OSs garantem a prestação do serviço público, ficando demonstrado o caráter complementar constante como requisito do preceito constitucional trazido no artigo 199, §1º.

Há os que defendem tal gerenciamento porque amplia os benefícios para a população considerando que grande parte dos hospitais têm problemas com ineficácia em sua gestão e dificuldade no oferecimento de serviços de qualidade. Há também os que rejeitam essa forma de prestação de serviço, por terem ideais pré-concebidos de que esse modelo é uma espécie de privatização dos hospitais e que possibilitaria uma burla à obrigatoriedade de licitação e concursos públicos.

Conquanto a discussão sobre terceirização de gestão hospitalar tenha tomado proporções apenas recentemente, a Constituição Federal em seus artigos 197 e 199, §1º, já autorizava a execução dos serviços sociais de saúde através de terceiros, ou ainda, por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sendo livre a assistência à saúde por meio da iniciativa privada, podendo estas, participar de forma complementar.

Art. 197, da CF: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 199, da CF: A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Apesar de os primeiros registros de terceirização e gestão hospitalar por meio de organizações sociais no país ter se dado em meados do século XVI, o sucesso quanto ao modelo de gestão tem ganhado espaço apenas recentemente, principalmente em relação à saúde. Isso devido aos grandes feitos realizados por essas instituições, como por exemplo, o Instituto Sírio Libanês em São Paulo, o IMIP em Pernambuco e o ICIPE no Distrito Federal.

O IRSSL (Instituto de Responsabilidade Social Sírio Libanês) gere, entre outros hospitais, o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, referência no atendimento pediátrico do Brasil. O hospital conta com seis salas cirúrgicas, seis  leitos de recuperação pós-anestésica, possui 41 leitos de enfermaria, 16 leitos de hospital dia, 14 leitos de retaguarda e dez leitos de UTI pediátrica (Unidades de Terapia Intensiva).

Dispõem ainda de duas brinquedotecas equipadas e área para eventos. Seu ambulatório oferece consultas nas mais diversas especialidades, além de pronto atendimento 24h por dia em todos os dias da semana, além de realizar quase cinco mil cirurgias e 70 mil consultas por ano.

O IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira), situado na região metropolitana de Recife, atende um total de 64 mil pessoas, além de contar com 168 consultórios, 1066 leitos em diversas especialidades, cinco blocos cirúrgicos (totalizando 33 salas cirúrgicas), 101 leitos de terapias intensivas distribuídas em cinco UTIs.

Anualmente o instituto faz mais de 951 mil consultas, 46 mil internações, 18 mil cirurgias, cinco mil partos, 145 mil consultas de urgência/emergência e 2,3 milhões de exames de apoio diagnostico e terapêutico.

O ICIPE (Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada) gere o Hospital da Criança de Brasília desde 2011, onde são atendido 1.162 pacientes com câncer, 747 com anemia falciforme, 475 com anomalias neurológicas, 445 com diabetes, 230 com imunodeficiência congênita, 200 com síndrome nefrótica e 110 com fibrose cística.

Realizou mais de dois milhões e 757 mil atendimentos até o final de março de 2018, dentre eles mais de um milhão e 641 mil exames laboratoriais e mais de 442 mil consultas. Fez também mais de 66 mil internações e hospital-dia, mais de 42 mil sessões de quimioterapia, mais de 18 mil transfusões de sangue, mais de oito mil cirurgias ambulatoriais, 13.910 eletrocardiogramas, 36.447 exames de raios-X, 19 mil tomografias e mais de 26 mil ultrassons.

Nesse modelo, o que ocorre é a cessão de gestão de unidades de saúde, pelo prazo determinado no contrato, que permanecem públicas e com atendimento exclusivo aos pacientes do SUS, contribuindo para agilidade e uma boa prestação de serviço público.

Para tanto, o Estado como fomentador da cessão tem obrigação de fiscalizar e controlar os resultados por meio de um contrato de gestão. É correto que esse contrato se dê através de um procedimento previsto no artigo 24, XXIV da Lei de Licitações, denominado dispensa de licitação, que é a possibilidade de celebração direta de um contrato entre a administração e um particular.

No Distrito Federal, iniciou-se imbróglio judicial por, supostamente, haver irregularidades na contratação, desse modelo de gestão de saúde no que se refere ao ICIPE, para gerenciamento do Hospital da Criança de Brasília.

Em sentença do dia 23 de janeiro de 2018, o Tribunal de Justiça do DF decidiu que a gestão do Hospital da Criança de Brasília deve ser devolvida ao governo do Distrito Federal.

A decisão, inclusive proíbe o ICIPE de ter contratos com o poder público por três anos, além de condenar o Secretário de Saúde, à época, com a perda dos direitos políticos, por considerar que não foram cumpridos requisitos necessários à qualificação do instituto como organização social para a celebração do contrato de gestão, bem como a transferência da gestão hospitalar à entidade privada.

Na respectiva decisão, o judiciário do Distrito Federal parece ter desconsiderado que tal parceria teve grande contrapartida por parte da Abrace, que foi responsável por todo o recurso da construção do citado hospital que passou a ser patrimônio do DF, o que demonstra a clara inexistência da intenção de apropriar-se ou beneficiar-se de recursos públicos.

Apesar da discussão no judiciário, vale lembrar que tal procedimento já foi devidamente discutido no Tribunal de Contas do Distrito Federal e que foi aprovado.

Ademais, o ministro Gilmar Mendes, do STF, declarou entender que o modelo das OSs pode ser uma solução para atender a sociedade, considerando lícito buscar novas formas de gestão porque o modelo de administração direta tradicional não tem respondido bem às demandas. A declaração foi concedida ao Correio Braziliense, em maio de 2017.

Para o Ministro, o Hospital da Criança de Brasília é um modelo de excelência, e que a pressão travada em cima do Hospital pode ser uma questão ideológica já que à época da realização do contrato foi feita uma dispensa de licitação, o que é legal. Para ele, é um absurdo tentar inviabilizar um trabalho de qualidade, devendo-se focar na eficiência dos serviços prestados à sociedade.

O resultado da gestão e do respaldo técnico e operacional do ICIPE para gerir o Hospital da Criança de Brasília pode ser comprovado pelos níveis expressivos e positivos de satisfação, contando com mais de 98% de satisfação dos usuários e 96% de satisfação dos funcionários.

Por causa da notória excelência nos serviços prestados pela ICIPE, o governo do Distrito Federal e a sociedade tem se mobilizado para manter a administração do hospital com a instituição.

E, embora a temática da gestão hospitalar por organizações sociais seja relativamente recente, e seus imbróglios jurídicos ainda possam render diversas teses contrárias ou favoráveis à utilização destas para a gerenciamento de hospitais públicos, é notório os benefícios desse modelo para as pessoas que estão em situação de hipossuficiência, e que independente do viés político necessitam de uma prestação de serviço célere e qualificada.

Fonte: ConJur

https://www.conjur.com.br/2018-abr-29/opiniao-terceiro-setor-gestao-saude-publica

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