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OAB SP se manifesta sobre os impactos da reforma tributária para as OSCs

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Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP), por meio de suas comissões de Direito do Terceiro Setor e de Direito Tributário, divulgam nota técnica1 a respeito de proposituras legislativas que envolvem a atuação de Organizações da Sociedade Civil (OSCs)

 

1- Sobre a Comissão do Terceiro Setor da OAB SP

A Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB SP foi criada em 2004, tendo sido a primeira no Brasil no âmbito do sistema OAB que trata especificamente da advocacia para as entidades privadas sem fins lucrativos. Tem como objetivo central desenvolver e articular ações para fortalecer o Terceiro Setor como relevante para a democracia brasileira, com vistas à aperfeiçoar o ambiente regulatório das Organizações da Sociedade Civil e a advocacia da área. Nesta gestão, a Comissão do Estado de São Paulo conta com a participação de mais de 200 advogadas e advogados atuantes no campo e que representam parte significativa da advocacia especializada no Direito do Terceiro Setor no Brasil.

 

2- Sobre a Comissão de Direito Tributário da OAB SP

A Comissão de Direito Tributário da OAB SP tem como objetivo central elaborar trabalhos escritos, inclusive pareceres, promover pesquisas, seminários e demais eventos que estimulem o estudo, a discussão e a defesa dos temas respectivos. Nesta gestão, a Comissão do Estado de São Paulo conta com a participação de mais de 500 advogadas e advogados atuantes no campo e que representam parte significativa da advocacia especializada no Direito Tributário no Brasil.

Nesta oportunidade, vimos, por meio do presente documento, apresentar considerações a respeito do tema em referência, como uma contribuição técnica da sociedade civil para o aperfeiçoamento esperado.

 

3- Projetos de lei de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional

Os projetos de lei de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional podem gerar grande impacto tributário para as OSCs, mais especificamente em relação às isenções e incentivos fiscais atualmente previstos em sede de legislação infraconstitucional.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 pretendia, originalmente, criar um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com a eliminação da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS), além da aplicação de alíquota unificada para todas as operações com bens, serviços e direitos, não permitindo a concessão de benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros vinculados ao IBS ou de regimes diferenciados de tributação.

Já a PEC 110/2019 e o texto substitutivo proposto propõem a extinção de um número maior de tributos, com a criação de um IBS federal, para unificação de tributos federais e um IBS subnacional, para unificar os impostos estaduais e municipais. Os tributos atuais que seriam extintos e passariam a integrar o IBS federal e subnacional seriam: IPI, Cofins, inclusive Cofins-Importação, PIS e Contribuição para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis (Cide-combustíveis”), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Imobiliários (IOF), Salário Educação, ICMS e ISS.

Nesse sentido, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) com objetivo de concentrar as discussões sobre o texto da PEC 45/2019, que divulgou, em 6 de junho, o relatório das conclusões do GT e, em breve, irá apresentar o texto substitutivo.

Vale destacar que o relatório publicado indica a tendência de que algumas propostas da PEC 110/2019 sejam absorvidas pelo substitutivo da PEC 45/2019. Por exemplo, foi divulgado que será adotado o IBS Dual, dividido entre uma tributação federal e uma tributação estadual/municipal.

Inicialmente, é importante destacar a inegável importância das atividades desenvolvidas pelas OSCs para a sociedade democrática, de modo que eventuais mudanças a serem introduzidas no Sistema Tributário Brasileiro devem, necessariamente, refletir seus interesses, sob o risco de inviabilizar sua ação, complementar à do Estado. A cidadania organizada deve ser estimulada.

Apenas para ilustrar a importância do Terceiro Setor no PIB do país, o Movimento por uma Cultura de Doação, com coordenação da Sitawi Finanças do Bem e apoio de outras organizações e indivíduos, publicou estudo desenvolvido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) sobre a “Contribuição Econômica do Terceiro Setor”2, o qual, adotando como base as estatísticas do ano de 2015, concluiu que as atividades das OSCs correspondem a 4,27% do PIB brasileiro, o que representa mais de R$ 220 bilhões, que, atualizando para os números de 2022, equivaleria a R$ 423 bilhões.

Tais números comprovam a contribuição da atuação das OSCs no país, não apenas sob o ponto de vista social, mas, também, sob o ponto de vista econômico. Grande parte dos recursos utilizados pelas organizações para o exercício das suas finalidades é proveniente de doações de indivíduos e de pessoas jurídicas por meio de investimento social privado, incentivadas ou não, de atividades de geração de renda própria, de parcerias com a administração pública ou de fundo patrimonial. Garantir, pois, as fontes de financiamento e a sustentabilidade econômica do Terceiro Setor é medida que se impõe.

 

4- Principais aspectos que impactarão as entidades do Terceiro Setor

A Constituição Federal (CF) concede às OSCs tratamento tributário diferenciado, naquilo que tange a tributação de sua renda e patrimônio. A criação do IBS, nesse cenário, com a consequente extinção dos tributos mencionados acima e eventuais vedações ao reconhecimento das imunidades, isenções e benefícios fiscais podem representar aumento nocivo à carga tributária suportada por essas organizações.

Logo, o objetivo da presente nota técnica é destacar os pontos que merecem atenção dos legisladores, considerando a relevância do exercício das atividades das OSCs, de modo que as mudanças a serem introduzidas não impactem de forma negativa a sua sustentabilidade financeira e a execução de seus objetivos.

  • 4.1- Imunidade e isenção

Em relação ao IBS, a PEC 45/2019 não traz inovações quanto às disposições inseridas na CF, logo, não altera as imunidades atualmente garantidas, de modo que haverá a manutenção das regras previstas no artigo 150, VI3, da Constituição Federal.

Ainda, o texto da PEC 45/2019 determina que caberá à Legislação Complementar prever e regulamentar eventuais regimes especiais de tributação relacionados ao imposto de que trata o artigo 152-A da Constituição Federal, a ser incluído com a introdução da PEC.

É válido destacar, contudo, que a redação ora proposta traz preocupações para entidades que atuem com a promoção da saúde, com educação ou assistência social, latu sensu.

A PEC 45/2019 indica, atualmente, que será possível a previsão de regimes especiais de tributação (alíquotas diferenciadas) para os “serviços de educação e saúde” e “entidades beneficentes de assistência social”, descartando a possibilidade de um regime específico para as entidades, de maneira geral. Nesse sentido, há de ser sugerida uma alteração no texto da referida PEC para que seja assegurada a existência de regime tributário mais benéfico as entidades, naquilo que tange a incidência do IBS sobre suas operações.

Além disso, há a preocupação de que a redação atualmente proposta atrele a possibilidade de fruição de regime mais benéfico à figura da imunidade reconhecida por meio de certificação a ser conferida nos moldes da Lei Complementar 187/2021, atualmente destinada apenas ao reconhecimento da imunidade às contribuições para a seguridade social.

Nesse sentido, há de se destacar a necessidade de previsão expressa, no substitutivo, à imunidade ao IBS para entidades sem fins lucrativos, havendo explícita menção às entidades que atuam no setor de saúde, assistência social e educação, sem confundir com o sistema trazido pela Lei 187/2021.

  • 4.2- Incentivos fiscais

Conforme anteriormente mencionado, a alteração do arcabouço atual, a ser eventualmente promovida pela PEC 45/2019, causa preocupação nas OSCs pois indica a vedação explícita de concessão de isenções e incentivos fiscais, o que resulta na eliminação de toda uma estrutura jurídica que atualmente beneficia as OSCs, resultando em um aumento da carga tributária para essas organizações. Lembramos que os sistemas de isenção ou mesmo de incentivos fiscais não são universalmente concedidos para o conjunto de Organizações da Sociedade Civil. O reconhecimento da isenção demanda uma série de fatores e implicações de difícil superação. Na mesma linha, os incentivos fiscais são concedidos somente para temas e políticas específicas e, portanto, não são elegíveis a todas as organizações.

  • a) PIS e Cofins

Nesse sentido, seriam impactadas, por exemplo, as previsões de isenção e regime tributário diferenciado relacionados ao PIS e à Cofins, estabelecidas nos artigos 13 e 14, X, da Medida Provisória (MP) 2158-35/2001, das quais se beneficiam, hoje, as instituições de educação e de assistência social a que se refere o artigo 12 da Lei 9532/1997, bem como as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações, a que se refere o artigo 15 da Lei 9532/1997.

Com a extinção do PIS e da Cofins, o tratamento tributário diferenciado previsto pela legislação específica também deixa de existir, aumentando diretamente a carga tributária das OSCs, que passariam a ser contribuintes do IBS sobre as operações de venda de bens e serviços, com as mesmas alíquotas aplicáveis às pessoas jurídicas com fins lucrativos, como indústrias e bancos.

  • b) Doações incentivadas

A PEC 45/2019, caso aprovada, a princípio, extinguirá, indiretamente, os incentivos fiscais previstos em legislação específica nos âmbitos estadual e municipal, impactando severamente as atividades das OSCs.

O GT divulgou que há o entendimento interno de que os benefícios fiscais de ICMS convalidados até a reforma tributária devem ser preservados até o ano de 2032. A informação deve ser esclarecida e aprofundada na publicação do substitutivo.

Atualmente, os Estados e Municípios preveem hipóteses de doações incentivadas a determinadas áreas de atuação, como o esporte e a cultura, por meio de mecanismo de destinação de parte do ICMS ou ISS devido pelo contribuinte ao financiamento de projetos de interesse e impacto público. Tais incentivos são extremamente relevantes às OSCs, na medida em que constituem fontes de recurso para execução de suas finalidades de interesse público e social.

  • c) Benefícios fiscais atualmente previstos nas PECs

O único benefício fiscal previsto atualmente no texto da PEC 45/2019 está circunscrito à devolução do IBS recolhido pelos contribuintes de baixa renda4.

Muito embora ainda existam dúvidas sobre como seria operacionalizada a devolução do IBS nas hipóteses previstas na alteração legislativa em questão, o atual momento de discussão do texto da PEC é ideal para se levantar a possibilidade de incluir as OSCs no rol de contribuintes que teriam direito a pleitear a devolução do IBS.

No âmbito da PEC 110/2019, ainda há previsão de que a legislação complementar poderá dispor sobre a instituição de regimes especiais e favorecidos de tributação, por meio de isenção ou adoção de alíquotas reduzidas5.

Observamos que a inexistência do texto de um projeto de lei complementar dificulta a avaliação dos impactos para as OSCs que gozam de isenções, benefícios fiscais e regimes diferenciados fundadas em normas infraconstitucionais.

Por fim, é importante mencionar que algumas propostas que têm se consolidado nos projetos de lei em debate, como a atuação integrada dos entes federados, o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podem ser de extrema relevância para as OSCs, se permitirem que eventuais pedidos de reconhecimento de isenção sejam feitos de forma unificada e não mais perante cada ente federado.

  • 4.3- Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) e doações internacionais

Tema da PEC 110/2019, o ITCMD, cujo texto pode ser aproveitado em parte para a PEC 45/2019, com base na atuação do GT da Reforma, é extremamente amplo e relevante para todo o cenário nacional.

Atualmente, a CF disciplina o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações no inciso I, do caput do artigo 155 e seu §1º, concedendo aos Estados a legitimidade para instituir, cobrar e prever hipóteses de isenção, o que resulta em tratamentos tributários diferentes nos 27 Estados da Federados da Federação, para as doações recebidas por OSCs. Nessa nota, concentraremo-nos, apenas, na alteração proposta pela senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), ao artigo 155, I, §1º da Constituição Federal, para acrescer o inciso VI ao § 1º do artigo 155 para prever a imunidade ao ITCMD sobre doações e transmissões recebidas do exterior, em favor de OSCs ou de institutos de pesquisa científica sem fins lucrativos.

No entanto, é necessário aproveitar o texto, já incorporado à PEC 110/2019, para que o assunto seja abordado e explorado pelo Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, com o intuito de que seja incluída na CF a desoneração em referência.

Até o presente momento, o relatório do GT da PEC 45/2019 trouxe a informação de que o substitutivo abordará a progressividade do ITCMD, divulgando a ampliação da base de tributação sobre heranças.

 

5- Riscos e impactos do IBS para OSCs com relação ao aumento de custo que serão absorvidos pelas entidades

As propostas não preveem alteração da sistemática da imunidade atualmente vigente, principalmente naquilo que tange à imunidade a impostos e às contribuições para a seguridade social, previstas na CF.

Dessa forma, com a unificação dos mencionados tributos, a PEC 45/2019 não altera, em nada, a atual situação das entidades imunes às contribuições previdenciárias, já que os tributos unificados já não são pagos, atualmente, pelas entidades detentoras do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) – Lei 187/2021. A PEC 110/2019, por sua vez, agrupa dentro do IBS outros tributos que, a princípio, as entidades beneficentes de assistência social não gozariam de imunidade, como a CIDE-combustíveis e o Salário Educação.

Ambos os projetos repercutem positivamente para as entidades imunes aos impostos, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal. É evidente que tal afirmação depende efetivamente da extensão da imunidade prevista ao IBS. Isso porque estas entidades, apesar de não recolherem impostos, são contribuintes das contribuições para a seguridade social, como PIS e Cofins.

O maior impacto se dará para as OSCs que não são imunes aos impostos e às contribuições à seguridade social, tratando-se da maior parte das entidades. Com a unificação dos tributos mencionados pelas PECs 45/2019 e 110/2019, as entidades isentas seriam prejudicadas, vez que passariam a recolher o IBS, que abrange os tributos atualmente vigentes, PIS e Cofins, sem qualquer benefício fiscal, diferente do que ocorre atualmente.

Evidente, portanto, que para as OSCs que são isentas, a reforma tributária extingue benefício fiscal relevante, devendo considerar, ainda, o impacto neste setor e a hipótese de isenção ou redução da carga tributária. Tratamento jurídico diferenciado e favorecido na CF deve ser previsto, também, para as isentas, tal qual hoje acontece para as micro e pequenas empresas.

 

6- Conclusão

Diante do exposto, demonstra-se necessária uma atuação dedicada dos membros do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária em ouvir, analisar e acolher demandas das OSCs, levando-se em consideração os pontos de atenção destacados e o impacto socioeconômico relevante destas organizações para a sociedade e para o PIB do país. Não se pode deixar que as organizações percam direitos, por um lado, e é preciso, por outro, avançar no reconhecimento e valorização de sua relevância.

Sendo o que nos cumpria para o momento, despedimo-nos, colocando a nossa Secional à disposição para eventuais debates sobre o tema.

 

Fonte: Jornal de Advocacia

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