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O impacto social que cria valor

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GEORGE SERAFEIM

As iniciativas precisam estar entranhadas na estratégia e ser um diferencial da empresa.

Até meados de 2015 poucos investidores davam importância aos dados ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) — informações sobre as pegadas de carbono das empresas, políticas trabalhistas, formação de conselhos e assim por diante. Atualmente, os dados são amplamente utilizados pelos investidores. Alguns excluem as empresas mal avaliadas nesta responsabilidade corporativa, convencidos de que baixos índices de ESG têm como consequência resultados financeiros insatisfatórios. Outros procuram executores com alto ESG, na expectativa de que trarão grandes resultados financeiros, ou desejam, por razões éticas, investir apenas em “fundos verdes”. E há quem incorpore dados de ESG às análises básicas. E há ainda quem utilize os dados como ativistas, investindo e depois exigindo que as empresas “limpem seus atos”.

Ainda é questão em aberto se os problemas de ESG continuarão tão evidentes para os investidores durante a pandemia global e a recessão econômica decorrente. Aposto que continuarão. Isso porque as empresas provavelmente serão mais resilientes diante das dificuldades e impactos inesperados se forem geridas para ser duradouras e alinhadas com as megatendências sociais, como inclusão e mudanças climáticas. Na verdade, nas primeiras semanas de queda global dos mercados de ações que se seguiram à covid-19, a maioria dos fundos de ESG superaram seus valores de referência. E quando meus colegas e eu observamos os dados de mais de 3 mil empresas entre fim de fevereiro e fim de março de 2020 — quando o mercado financeiro global estava colapsando —, descobrimos que as de maior responsabilidade corporativa pagaram dividendos menos negativos que seus concorrentes. Acredito que, no longo prazo, a crise provavelmente aumentará a conscientização de que as empresas precisam considerar as necessidades sociais, e não apenas os lucros de curto prazo. A boa repercussão do movimento Black Lives Matter está criando uma onda de apoio a políticas de diversidade e práticas trabalhistas mais justas. Parece claro que, no futuro, as empresas serão pressionadas a melhorar seu desempenho nas questões de ESG.

O grande problema é que, em sua maioria, os líderes corporativos não sabem exatamente como se posicionar. Eles não entendem muito bem onde prestar atenção e como comprovar publicamente seu cumprimento das exigências de ESG. Muitos deles acreditam equivocadamente que ações simples são suficientes: melhorar a divulgação de ESG publicando relatórios de sustentabilidade ou fazendo da sustentabilidade o principal critério para manter boas relações com os investidores. Algumas empresas adotam essas medidas, não conseguem os benefícios esperados e continuam desiludidas ou frustradas. E já enfrentaram críticas e reações negativas dos investidores.

É fácil entender por quê. Muitas abraçaram a cultura de marcar os itens que encorajam a adoção de ações padronizadas de ESG, das quais muitas foram criadas por analistas e consultores que confiam nas referências do setor e nas melhores práticas. Essas atividades podem ser muito boas para a sociedade e para a última linha do balancete. E, para as empresas, os benefícios chegam na forma de eficiência operacional. Afinal, reduzir o desperdício, fortalecer as relações com os stakeholders externos e melhorar a gestão de risco, ou seja, ações características da política de ESG, são boas práticas de higiene empresarial. Em vários setores esses esforços agora são requisitos mínimos para empreendimentos que desejam continuar competitivos.

Mas esses esforços são insuficientes e cosméticos. As empresas precisam ir além de marcar quadradinhos. Em um mundo em que são avaliadas por seu desempenho de ESG, elas devem concentrar-se em diretrizes essenciais — principalmente estratégia — para obterem resultados reais e serem recompensadas por isso. Nas duas últimas décadas, vários colegas e eu analisamos mais de 10 mil empresas, concluímos 30 estudos de campo e publicamos mais de 15 artigos empíricos. Nossa pesquisa conjunta aponta a necessidade de novo paradigma de gestão: o ESG deve estar integrado tanto à estratégia como às operações.

Neste artigo descrevo cinco pilares para ajudar as empresas a atingir alto desempenho, com foco em sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e boa governança. Não pretendo avaliar o ESG em si, mas explicar como usá-lo para criar novas vantagens competitivas. E como isso implica escolhas estratégicas e operacionais fundamentais, não pode ficar totalmente nas mãos da equipe responsável pelas interações com os investidores ou do departamento de sustentabilidade. Deve ser prioridade do CEO e do C-level e tornar-se central na cultura da empresa.

Por que as questões de ESG são importantes
O principal motivo para aprimorar o desempenho de ESG é o dever que toda pessoa tem — dentro e fora do ambiente corporativo — de agir de forma pró-social. Mas, independentemente da questão moral, há recompensas bem reais para dar prioridade às questões de ESG. Elas vão além dos benefícios decorrentes do aumento de produtividade pelo comprometimento dos funcionários, ou do aumento nas vendas graças à fidelização e satisfação dos clientes.

Primeiro, o ESG ajuda os gestores a reduzir custos de capital e aumentar o valor de mercado da empresa. Isso porque quanto mais investidores aplicarem capital em empresas com sólido desempenho de ESG, mais reservas de capital estarão disponíveis para elas. Meus colegas e eu descobrimos que isso está ocorrendo não só nos mercados de ações, mas também em mercados de crédito, dos quais alguns bancos vinculam as taxas de juros sobre os empréstimos ao desempenho de ESG. O Banco ING fez exatamente isso em 2017, quando concedeu empréstimo de US$ 1,2 bilhão à Philips, companhia inovadora em produtos de consumo e tecnologia de saúde.

Segundo, ações positivas e transparentes no âmbito ambiental, social e de governança auxiliam as empresas a proteger seu valor de mercado à medida que mais agentes reguladores e governos exigem divulgação de medidas nesse âmbito. Minha pesquisa com Jody Grewal, da Toronto University, Canadá, e Edward Riedl, da Boston University, mostrou que depois que a União Europeia anunciou exigências abrangentes de divulgação, o mercado de ações reagiu positivamente às empresas com forte divulgação de ESG, e negativamente àquelas com fraca divulgação. E não são apenas os países desenvolvidos que estão cumprindo as regulamentações de divulgação — também estão os mercados emergentes, como África do Sul, Brasil, Índia e China.

Terceiro, os esforços para garantir práticas de sustentabilidade mantêm os acionistas satisfeitos com a atuação dos conselhos. Quanto mais investidores que gerenciam ativos se comprometerem com o investimento em ESG, mais poder de voto terão para influir nas mudanças. Acionistas de numerosas empresas já lançaram propostas para promover a diversidade de gênero nos conselhos, conquistando apoio inimaginável há dez anos. Sessenta e três por cento dos acionistas com direito a voto da Cognex, fabricante de sistemas de visão computacional, aprovaram proposta para diversificar o conselho; medida similar da Hudson Pacific Properties, empresa do setor imobiliário, recebeu 85% de apoio. Para evitar votos contra os conselheiros e problemas com as iniciativas de remuneração de executivos e similares, a gestão precisa ser proativa na abordagem de questões de ESG.

Finalmente, e talvez o mais importante, é que as práticas de ESG fazem parte de estratégias de longo prazo, e todas as empresas precisam de investidores que apoiem a visão e os planos para o futuro da administração. Quando Paul Polman se tornou CEO da Unilever, na época gigante de bens de consumo com baixo desempenho, ele suspendeu imediatamente a orientação para ganhos trimestrais e foi explícito quanto ao seu comprometimento com uma estratégia de longo prazo e não de lucros de curto prazo. Isso provocou o êxodo dos investidores focados no curto prazo mas, em seguida, atraiu capital mais paciente.

Como as organizações se antecipam às tendências e percebem os benefícios financeiros tangíveis de seus programas de ESG? Em minha experiência estudando e assessorando empresas com programas robustos, identifiquei cinco ações que estão ao alcance dos gestores: adotar práticas de ESG estratégicas; criar estruturas de responsabilidade para a integração do ESG; identificar um propósito corporativo e criar uma cultura condizente; introduzir mudanças operacionais para garantir que a estratégia de ESG seja bem executada; comprometer-se com a transparência e criar sólidos vínculos com os investidores.

Um programa de ESG estratégico
Os líderes corporativos precisam de uma estratégia de ESG ambiciosa e diferenciada se seu objetivo é obter dividendos financeiros reais. Em seu artigo referencial “What is strategy?” (HBR, novembro/dezembro de 1996), Michael Porter estabelece uma distinção entre eficiência operacional e eficiência estratégica. Segundo ele, a primeira “significa realizar atividades similares melhor que as concorrentes”; a última, “ser diferente”. Seguindo a distinção de Porter, todo programa de ESG pode proporcionar eficiência e aprimoramentos operacionais — talvez até alguns necessários para a sobrevivência corporativa —, mas estimulará o desempenho financeiro duradouro apenas se fornecer uma diferenciação estratégica dos competidores.

Algumas empresas criam sistemas de gestão ambiental da água ou de resíduos, por exemplo, com o intuito de aumentar a eficiência de suas operações. Embora esses sistemas possam ser incluídos nas avaliações de ESG, poucas empresas, talvez nenhuma, esperariam obter vantagem competitiva simplesmente por adotá-los. Em geral, os concorrentes seguem rapidamente o exemplo e adotam sistemas similares. Minha pesquisa com Ioannis Ioannou, London Business School, indica que é isso o que de fato vem ocorrendo. Analisando dados de aproximadamente 4 mil empresas globais, descobrimos que em muitas indústrias as práticas de ESG convergiram de 2012 a 2019. Em outras palavras, as empresas estão se envolvendo cada vez mais em programas de sustentabilidade e governança similares— por isso não conseguem diferenciar-se estrategicamente.

Para superarem os concorrentes, devem encontrar abordagens difíceis de copiar. Em nosso estudo, identificamos em cada uma das indústrias ações de ESG que foram amplamente difundidas e as denominamos práticas comuns; e as que não o foram, denominamos estratégicas. Como exemplo da última, vale mencionar a Airbnb, que criou uma rede de anfitriões e um modelo de negócio de “economia circular” (que reutiliza ativos existentes), ou a pouco convencional abordagem da Google de recrutar, envolver e reter funcionários. Essas práticas diferenciadas ajudaram a AirBnb e a Google a ocupar posições competitivas que não podem ser facilmente replicadas — e como resultado as empresas foram recompensadas pelos mercados de capital. De fato, nossa pesquisa confirma que a adoção de práticas de ESG estratégicas está significativa e positivamente associada tanto ao retorno sobre o capital quanto aos múltiplos do valor de mercado, mesmo depois de contabilizar o desempenho financeiro passado da empresa.

Como identificar as iniciativas de ESG estratégicas? Como em qualquer estratégia, a forma de as empresas começarem é determinando onde jogar e como vencer. A primeira é particularmente vital porque nem todas as questões de ESG são iguais — dependendo da indústria, algumas são mais importantes. No setor de energia e transporte, por exemplo, investir com o objetivo de mudar para uma economia de baixo carbono está se tornando cada vez mais importante, pois afeta custos e margens de lucro. No setor de tecnologia, no entanto, reduzir as pegadas de carbono não é tão relevante quanto criar uma organização diferente, que pode consolidar a reputação de determinada marca e levar ao aumento do faturamento.

Minha pesquisa com Aaron Yoon, da Northwestern University, e Mozaffar Khan, ex-colega da HBS, mostrou que dar primazia às questões de ESG traz benefícios financeiros: dentre mais de 2 mil empresas americanas por nós analisadas durante 21 anos, as que melhor abordaram as questões de ESG materiais superaram significativamente suas concorrentes (a materialidade foi identificada pelo Conselho de Padrões Contábeis de Sustentabilidade, SASB na sigla em inglês, que oferece uma lista de questões importantes em 77 setores. Fui membro desse conselho de 2012 a 2014, sem remuneração). Curiosamente, as empresas que tiveram melhor desempenho nas questões de ESG imateriais tiveram desempenho geral ligeiramente inferior em relação a suas concorrentes. Isso indica que os investidores estão se tornando suficientemente requintados para perceber a diferença entre “enverdecimento” e criação de valor.

É óbvio que materialidade não é conceito estatístico. Para os líderes corporativos, o desafio estratégico é serem previdentes sobre os temas de ESG que estão emergindo como acionadores importantes da indústria — para identificá-los antes que os concorrentes o façam (e, em alguns casos, antes também do SASB). Isso requer que os líderes identifiquem os vários atores do sistema, seus incentivos e intervenções possíveis de propiciar mudança. Embora isso pareça direto, não é. Mas minha pesquisa com Jean Rogers, fundador e ex-CEO do SASB, revelou que qualquer questão de ESG provavelmente se torna financeiramente material em determinadas condições:

Quando é mais fácil para a gestão e stakeholders externos obterem insights sobre o impacto ambiental ou social da empresa (por exemplo, os avanços tecnológicos atuais permitem rastrear a matéria-prima de produtos eletrônicos e descobrir os que foram produzidos de forma não sustentável).

Quando a mídia e as ONGs têm mais poder e os políticos são mais sensíveis a ela (esses cenários motivaram a criação e fiscalização do cumprimento de leis anticorrupção e novas regulamentações).

Quando a empresa não está capacitada para a autorregulação efetiva (por exemplo, na indústria de óleo de palma, em que qualquer desalinhamento de incentivos para os agricultores leva ao desmatamento).

Quando a empresa desenvolve um serviço ou produto diferenciado que substitui uma forma “suja” ou insustentável de comercialização (por exemplo, a Tesla e seu potencial de impactar o mercado de carros movidos a gasolina).

A IKEA planejou um programa de ESG estratégico, reinventando-se para reagir à degradação ambiental acelerada. Ela introduziu várias inovações em produtos, serviços e processos para se afastar do tradicional varejo de móveis baratos que os clientes geralmente logo descartam. Recentemente ingressou no segmento de armazenamento e produção de energia solar doméstica, que cresceu 29% em 2019. E enquanto a maioria dos concorrentes desenvolve material de forma mais eficiente ou tenta encontrar maneiras de reciclar produtos depois de projetados, a IKEA propôs completa reformulação do design de seus produtos para que pudessem ser reutilizados, reformados ou reciclados e ter sua vida útil estendida. E eles serão modulados para facilitar a desmontagem e reutilização como matéria-prima quando já não servirem. Embora o processo possa levar anos, é provável que a IKEA emerja como líder da economia circular à medida que mais pressões reguladoras, dos consumidores e da marca forçarem as empresas a competir com aquelas cujos produtos são fabricados de acordo com as melhores práticas ambientais.

Enquanto a estratégia da IKEA prevê ações contrárias ao desperdício, outras empresas descobriram que as avaliações estratégicas podem identificar formas de diferenciar-se tendo em vista os impactos positivos. Líderes seniores da marca Vaseline entrevistaram médicos dos Centros de Controle de Doenças, Médicos sem Fronteiras e Agência de Refugiados das Nações Unidas. Descobriram que a pomada Vaseline era parte indispensável dos kits de primeiros-socorros, principalmente em países em desenvolvimento. Descobriram também que doenças de pele evitáveis como rachaduras nas mãos e queimaduras pelo uso de fogões a gás ou lampiões a querosene impediam as pessoas de trabalhar, ir à escola ou outras atividades básicas — tudo isso a Vaseline poderia ajudar a mitigar. O insight levou a nova estratégia de impacto social destinada a curar as doenças de pele de 5 milhões de pessoas que viviam em zonas de conflito. A estratégia vinculou os objetivos da empresa com as necessidades da população, impôs sua marca sobre a concorrência e, ao mesmo tempo, aumentou a receita.

Mecanismos de contabilização
Instituir o ESG implica grandes mudanças estratégicas e operacionais. Inicia-se no topo, com o conselho, e se difunde por toda a organização (veja nesta edição “O papel do conselho na sustentabilidade”). No entanto, minha pesquisa mostra que na maioria das empresas o conselho está muito distante das ações de ESG. É um erro. Ele deveria ser a entidade encarregada de garantir que as métricas de ESG fossem adequadamente consideradas na remuneração executiva e divulgadas como parte do trabalho do comitê de auditoria. Meus colegas e eu descobrimos que as organizações de alto desempenho segundo critérios ambientais, sociais e de governança se caracterizam justamente por incorporá-los ao trabalho do conselho e à remuneração dos executivos.

Embora a maioria das grandes empresas globais afirme que os conselhos supervisionam as práticas de sustentabilidade, tal supervisão é fragmentada. Há exceções. O Banco BNP Paribas adota abordagem sistemática de governança e sustentabilidade. Seus conselheiros e o próprio presidente, que já presidiu o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, participam ativamente de fóruns de finanças sustentáveis. Grandes poluidores como BHP, Royal Dutch Shell e Eskom vincularam os incentivos concedidos aos executivos às suas emissões de carbono, motivando a gestão a agir enquanto enfrenta risco maior de regulamentação e competição decorrentes de novas tecnologias. A Microsoft e outras empresas de tecnologia atrelaram igualmente a remuneração de seus executivos às metas de diversidade da força de trabalho, o que é crítico nesta indústria em que criatividade e inovação são primordiais para enfrentar a concorrência.

O poder do propósito
Nenhuma abordagem de cima para baixo é eficiente se não é apoiada de baixo para cima por uma cultura centrada em iniciativas de ESG. Muitos esforços estratégicos fracassam porque os funcionários dos níveis inferiores da hierarquia não acreditam que existe um verdadeiro comprometimento com as metas de ESG ou porque lhes falta direção clara para atingi-las. Ceticismo, ou até cinismo, marginaliza esses esforços ou os torna inconsistentes em todas as funções, divisões e linhas de negócio.

Para remediar o problema, as organizações precisam identificar um propósito corporativo e criar uma cultura nele centrada. Quando Claudine Gartenberg, da Wharton School, Andrea Prat, da Columbia University, e eu analisamos dados de mais de mil empresas americanas e de 1,5 milhão de funcionários, descobrimos que a clareza sobre o sentido de propósito diminui da gestão sênior para a gestão de nível intermediário e desta para o pessoal de nível hierárquico inferior. Descobrimos também que as empresas capazes de achatar a hierarquia e nela difundir sentido de propósito tiveram desempenho superior ao de suas concorrentes.

Nos últimos anos, muito se tem escrito sobre propósito, mas não há consenso sobre o verdadeiro significado do termo. A articulação mais importante do conceito foi apresentada por Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior empresa de gestão de ativos do mundo. Segundo ele, “nenhuma empresa obtém lucro duradouro sem ter um propósito bem definido”, porque “o sólido sentido de propósito e comprometimento com os stakeholders a faz conectar-se melhor com seus clientes e ajustar-se às contínuas mudanças da sociedade”. Em agosto de 2019, CEOs de 181 das maiores empresas do mundo — membros da associação sem fins lucrativos Business Roundtable (BRT, na sigla em inglês) — declararam que a primazia de toda corporação não são apenas os interesses dos acionistas, mas a criação de valor para todos os stakeholders — alterando assim a posição que vinham mantendo desde 1977.

Obviamente, nem a declaração de Fink nem a da BRT explicam exatamente o que é propósito. Mas nós sabemos o que ele não é: textos exibidos em recepções, declarações de missão corporativa postadas em websites, discursos grandiloquentes dos CEOs em assembleias gerais. Segundo as pesquisas, tudo “conversa fiada” desconectada dos verdadeiros resultados financeiros das organizações.

Para meus colegas e eu, propósito é a forma como os funcionários — as pessoas que melhor conhecem a organização — percebem o significado e o impacto de seu trabalho. Para medirmos o sentido de propósito dos funcionários em três de nossos estudos mais recentes, aproveitamos perguntas utilizadas em pesquisas do Great Place to Work Institute. Solicitamos aos participantes que indicassem seus níveis de concordância com afirmações como “meu trabalho tem significado especial, não é apenas um emprego”, “tenho orgulho de nossa contribuição para a sociedade”, e “os rumos e metas da organização são muito claros para a gestão”.

Os investidores parecem estar cada vez mais atentos às empresas que conectam estratégia e propósito eficientemente. Há pouco tempo o (Strategic Investor Initiative) — um desdobramento da coalizão de Conselheiros Executivos para Propósitos Corporativos (Chief Executives for Corporate Purpose coalition), — colaborou com a KKS Advisors (da qual fui cofundador) para analisar 20 planos estratégicos de longo prazo. Descobrimos que quando os CEOs transmitem adequadamente o propósito corporativo, o valor das ações e o volume de negócios aumentam nos dias subsequentes. A consequência é que para os investidores informar o propósito constitui valor. Em uma das reuniões em que os executivos apresentaram seus planos estratégicos, Kenneth Frazier, CEO da Merck, disse aos stakeholders: “Nosso propósito, que está muito claro para nós e para todo o nosso pessoal, é descobrir e desenvolver medicamentos para salvar vidas. É isso que motiva nossos funcionários a vir trabalhar todos os dias e lhes infunde total comprometimento”.

Para algumas empresas, definir seu propósito significa abrir mão de parte de seus lucros, pelo menos em curto prazo. É o caso dos fabricantes de automóveis que estão mudando de veículos movidos a gasolina, emissores de carbono, para veículos elétricos, mais ecológicos, mas menos lucrativos. A boa notícia, no entanto, são os numerosos exemplos de que, a longo prazo, não é necessário trocar lucro por sustentabilidade, uma vez que as empresas podem reformular sua geração de receita. A Philips Lighting deixou de vender produtos com lâmpadas incandescentes com duração limitada para vender iluminação como serviço sustentável. Os clientes pagam pela iluminação que consomem em vez de investir nos ativos físicos, e a empresa continua proprietária de todos os equipamentos de iluminação e os retira quando precisam ser reciclados ou modernizados.

Algumas vezes o comprometimento com o propósito força as empresas a tomar iniciativas financeiramente desvantajosas. Referindo-se ao empenho da Merck em desenvolver uma vacina contra o ebola, Frazier confessou: “Não entrarmos de cabeça por simples motivo de mercado estava fora de cogitação. É isso que move toda organização centrada em propósito”.

À medida que as empresas envidarem esforços para articular seu propósito e criar uma cultura que o abrace incondicionalmente, saberemos o que de fato garante o sucesso. No entanto, minha pesquisa com Gartenberg já aponta três condições decisivas: estratégia específica para promover o crescimento dos líderes na organização (que deve resultar na promoção de candidatos internos à posição de CEO), estruturas justas de remuneração (em que a proporção entre a remuneração do CEO e os rendimentos dos funcionários intermediários não seja discrepante) e cuidadosa análise nas fusões e aquisições para evitar conflitos de cultura. Embora os motivos não estejam entendidos por completo, a pesquisa indica que CEOs contratados externamente e empresas com maior número de aquisições precisam se empenhar com mais afinco para criar o sentido de propósito.

Mudanças operacionais
Ao estudar empresas que criaram estratégias de ESG bem-sucedidas, observei que em geral elas passam por três fases: tentativas de reduzir o risco e garantir compliance com as regulamentações, sobretudo ambientais; de aprimorar a eficiência operacional; de inovar e crescer. Para tanto, as empresas exemplares começam centralizando as atividades de ESG, o que ajuda a mudar o foco: de risco e compliance para eficiência operacional. Mas para atingirem o estágio de inovação e crescimento, elas precisam descentralizá-las e permitir que as funções corporativas se responsabilizem por elas. Isso é verdade no que diz respeito à paridade de poder entre a gestão executiva, a intermediária e o conselho. Este, de início, deve formar um comitê de sustentabilidade separado. Mas, no terceiro estágio, ele terá de delegar a responsabilidade aos já existentes comitês de conselheiros, como de auditoria, de indicação etc.

Obviamente, a descentralização requer mecanismos de apoio adequados. A indústria química Sovay, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta para avaliar o impacto ambiental na aplicação de cada um de seus produtos. Isso permitiu que os tomadores de decisão em diferentes funções levassem em conta aspectos ambientais ao cumprir suas respectivas responsabilidades — distribuir o orçamento de P&D, especificar riscos com o devido cuidado na fase de aquisições, ou otimizar operações da unidade de produção. De 2016 a 2018, a Solvay teve aumento anual de 4% nas vendas de produtos com baixo impacto ambiental; já as vendas de produtos danosos ao ambiente sofreram queda de 5%.

À medida que a área de ESG amadurece, os investidores analisam o modo como as organizações se estruturam para cumprir o propósito que declaram. Para aumentarem suas chances de sucesso, elas precisam garantir que os gestores dos aspectos mais importantes do desempenho de ESG disponham das capacidades e recursos necessários para bem executar sua função.

O primeiro passo é garantir que o conselheiro de sustentabilidade, ou o executivo sênior encarregado do ESG, esteja plenamente envolvido nas questões desta natureza no nível material. Se as marcas são ativos críticos da empresa (como o são para as empresas de produtos de consumo), essa pessoa pode ser o conselheiro de marketing ou o conselheiro de marca. Se a gestão de risco é a preocupação central (como é o caso das instituições financeiras), ela pode ser o conselheiro de risco ou o conselheiro de investimentos. Se o capital humano é o mais importante, a responsabilidade pelas atividades de ESG pode ser do chefe de recursos humanos. Na Tyson Foods, o ex-conselheiro de sustentabilidade atua também como vice-presidente executivo de estratégia corporativa e lidera contínuos esforços de melhorias. Ele foi gestor do fundo de capital de risco da empresa, que está investindo numa proteína vegetal e em carne cultivada como alternativas sustentáveis aos produtos tradicionais de origem animal.

O estabelecimento de metas pode ser útil para ajudar as empresas a mudar da centralização para a descentralização de atividades de ESG. Embora muitos líderes de alto escalão definam as metas de ESG, é necessário que a gestão das unidades e a gestão intermediária tenham poder e autonomia para determinar a maneira de atingi-las. Paradoxalmente, metas audaciosas têm mais probabilidade de ser cumpridas que as modestas. Foi o que descobrimos quando Ioannou e eu, juntamente com Shelley Xin Li, da University of Southern California, analisamos mais de 800 metas corporativas relacionadas às mudanças climáticas. E outro estudo meu — em coautoria com Grewal e David Freiberg, meu colega da Harvard Business School — confirmou as vantagens de pensar grande: dentre mais de mil empresas por nós analisadas, aquelas com metas ambiciosas de mudanças climáticas investiram mais que outras similares e, no processo, foram mais inovadoras.

Comunique-se com os investidores (certos)
As empresas não devem concentrar-se exclusivamente em melhorar sua avaliação de ESG esquecendo a importância da boa comunicação com a comunidade de investidores. Não raro, porém, as decisões do que deve ser mensurado e do que deve ser informado aos investidores são obscurecidas por ideias equivocadas.

A primeira é a ideia comum de muitos líderes corporativos de que a base de investidores da empresa não está sujeita à influência ou controle da gestão. Na verdade, a empresa pode ter a última palavra na hora de decidir quem compra suas ações e, se necessário, mudar a base de shareholders. Não é tão fácil quanto moldar uma base de clientes ou de funcionários, mas é possível. Antes de a Shire ser adquirida pela Takeda Pharmaceuticals, ela alterou significativamente sua base de investidores de 2006 a 2012 comprometendo-se a integrar financeiramente questões de ESG materiais em sua estratégia e relatá-las aos seus shareholders. Investidores dedicados de longo prazo (incluindo a Aviva Investors, Scottish Widows e o Fundo Estatal de Pensões da Noruega) possuíam inicialmente uma pequena fração de ações da Shire, mas suas holdings aumentaram continuamente e acabaram se tornando maiores que as de investidores temporários — fenômeno raro em empresa de capital aberto.

A segunda ideia errada é que as exigências dos analistas do lado do vendedor das grandes corretoras deveriam determinar o que precisa ser comunicado. Muitas empresas ainda enfatizam a informação de curto prazo prestada aos investidores. Isso porque elas veem o lado do vendedor como o “cliente” tradicional nas relações com eles. Isso tem de mudar. É o lado do comprador que deve prevalecer nas comunicações — ou seja, os grandes gestores de ativos institucionais que detêm as ações da empresa.

A terceira ideia errada é que as métricas de ESG são suficientes para os investidores integrarem considerações desta natureza nas análises, avaliações e moldagens de seus negócios. Na verdade, os investidores têm dificuldade de incorporar essas métricas aos modelos financeiros porque não sabem exatamente o que elas significam nem como afetam as finanças. Uma solução seria a criação de um sistema contábil de ponderação de impacto para medir justamente os impactos ambientais e sociais da empresa (tanto positivos como negativos), monetizá-los e transformá- los em demonstrações financeiras. Embora a técnica para isso ainda esteja longe de ser perfeita, sistemas como esse podem ser muito promissores por três motivos: traduziriam os impactos em unidade de medida que os empreendedores e investidores pudessem entender; permitiriam que a utilização de ferramentas de análise financeira e de negócios incluísse esses impactos; e permitiriam a agregação e comparação de análises de tipos de impacto, o que seria inviável sem unidades de medida padronizadas.

Na Iniciativa da Contabilidade com Ponderação de Impacto (projeto da Harvard Business School que eu liderei), estamos colaborando com o Grupo Conselheiro Global de Investimento em Impacto e com o Projeto de Gestão de Impacto. Nossa abordagem é simples: ajustar as medidas contábeis tradicionais para levar em conta os vários tipos de impacto das ações de ESG. Eles incluem o impacto do produto, que afeta os números do faturamento; o impacto sobre o emprego, que afeta as despesas com pessoal na declaração de rendimentos; e o impacto ambiental, que afeta o custo das mercadorias vendidas. O impacto positivo sobre o produto, por exemplo, representaria mais receita para a empresa e provavelmente maior crescimento. O impacto positivo sobre o emprego (medido, por exemplo, pelos investimentos feitos no treinamento de funcionários) sinalizaria aos investidores que a gestão trata as despesas de pessoal como investimentos que levam à lucratividade futura e não como simples despesas. Qualquer impacto negativo sobre o ambiente elevaria o custo dos produtos vendidos, desencadeando regulamentações novas e mais restritivas.

Avaliar os efeitos da empresa nas pessoas e no planeta — e integrar esses efeitos às análises financeiras tradicionais — fornecerá um quadro abrangente do real desempenho corporativo. Algumas empresas, como a DSM e a Novartis, gigante do setor farmacêutico, já estão testando uma contabilidade baseada em ponderação de impacto. Em 2017, a Novartis estimou seu impacto nos empregos — incluindo benefícios decorrentes o treinamento de funcionários, ações de segurança ocupacional e oferta de salário digno — em US$ 7 bilhões. O impacto ambiental, medido pelo impacto das emissões de carbono, uso da água e descarte de resíduos, foi calculado em US$ 4,7 bilhões. O impacto positivo sobre o produto, medida ausente sobretudo nas estruturas de investimento de ESG, foi estimado em US$ 72 bilhões.

Uma ideia errada final, mas fundamental nas relações com o investidor, é que a divulgação de ESG se baseia em transações e pode ser esporádica. As empresas precisam entendê-la como oportunidade de formar vínculos e criar reputação. A ideia tradicional era que a maior parte da comunicação com os investidores (lado do comprador) era realizada por analistas da Wall Street (lado do vendedor). Cada vez mais os investidores querem uma linha direta de comunicação, e eles aprovam o compartilhamento de informações proativas que trazem o benefício adicional de aumentar a paciência do investidor. Pode ocorrer queda de desempenho. Mas se os CEOs chegarem até os investidores com uma desculpa depois dos fatos, sem terem criado confiança, provavelmente não terão a liberdade ou o tempo necessário para impedir a queda.

O caminho pela frente
Muitas empresas não conseguiram perceber que o papel funcional dos dados de ESG mudou ao longo do tempo. Inicialmente esses dados eram utilizados para avaliar o empenho da empresa em evitar o mal e fazer o bem. Como resultado, eles eram simplesmente um input para ajudar a criar políticas que sinalizassem o comprometimento da empresa em atingir resultados positivos para o ambiente e para a sociedade.

No entanto, os investidores estão cada vez mais preocupados com outra questão: eles não querem saber se a empresa tem boas intenções, mas se tem visão estratégica e está capacitada a atingir e manter notável desempenho de ESG. Isso significa que elas precisam começar a medir e relatar os resultados de suas iniciativas. Em vez de divulgarem suas políticas de privacidade de dados, gestão da água, mitigação das mudanças climáticas, diversidade e questões similares, elas apresentarão métricas de resultados: número de contas de clientes acessadas ilegalmente; de litros de água consumidos por unidade de produto produzida; de emissões de carbono economizadas; porcentagem de mulheres e de pessoas negras promovidas internamente para cargos de chefia.

O próximo passo que interessa aos investidores é passar da intenção aos resultados. A única forma da empresa ser bem-sucedida nesta nova era é tornar as questões de ESG materiais o centro de sua estratégia e operações e assim estar acima e além de seus concorrentes, e depois medir e relatar seu desempenho superior. A sociedade global enfrenta enormes desafios. Mas se as empresas forem corajosas e estratégicas em suas atividades de ESG, elas terão sua recompensa.


GEORGE SERAFEIM é professor na administração e negócios da Harvard Business School e autoridade em investimentos de ESG reconhecida internacionalmente

 

Fonte: Harvard Business Review

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