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Modelo C: uma nova abordagem para o campo dos Negócios de Impacto Socioambiental no Brasil

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O setor de Negócios de Impacto Socioambiental – iniciativas que aliam sustentabilidade financeira e criação de valor coletivo – vem crescendo e ganhando relevância e visibilidade nos últimos anos, mas apresenta alguns desafios. Além da necessidade de aumentar a quantidade de negócios escaláveis do ponto de vista financeiro, existe uma carência de comprovação da consistência do impacto gerado.

A criação de métricas e formas de mensuração dos impactos ainda é insuficiente, principalmente em se tratando de negócios em estágio inicial. Nesse sentido, a busca por modelos teóricos que apresentem uma narrativa que demonstre o encadeamento lógico de atividades, os resultados e o impacto de longo prazo tem se tornado cada vez mais presente no setor.

Duas ferramentas têm sido utilizadas para modelar negócios de impacto socioambiental: o Business Model Canvas e a Teoria de Mudança. A primeira consiste em uma ferramenta de gerenciamento estratégico. Um mapa visual pré-formatado contendo nove blocos que permite desenvolver e esboçar modelos de negócio novos ou existentes. Já a segunda, uma metodologia de planejamento que, a partir da realização de um mapa, traduz, organiza ou estrutura mudanças pretendidas por uma iniciativa socioambiental.

A percepção da necessidade de integração de ambas deu origem ao Modelo C, “um modelo completo, compreensível, colaborativo, constante e de conteúdo vivo”, diz o guia da nova metodologia. O documento salienta que a iniciativa é, mais que uma ferramenta, uma abordagem que respeita, valoriza e se nutre das duas anteriores com o propósito de contribuir para amadurecer negócios de impacto mais sustentáveis e efetivos em sua capacidade de transformação da sociedade.

“Nós acreditamos que o Modelo C vem cumprir uma função primordial de orientar e estimular que de fato o negócio e o impacto sejam pensados concomitantemente. Ele reforça que não há uma cisão entre pensar o negócio e o impacto e isso é muito relevante porque em certa medida, eu tenho uma observação empírica de que foi prevalecendo pensar o negócio, em razão da necessidade de equacionar a solução financeira, porém com o risco de ter um ‘business as usual’, não um negócio de impacto. Por isso, para mim, a grande contribuição do Modelo C é reforçar a identidade dos negócios de impacto reafirmando a necessidade e instituindo que sim, desde o nascimento se pensa negócio e impacto concomitantemente”, defende Daniel Brandão, fundador e diretor executivo da Move Social, uma das organizações responsáveis pela elaboração do Modelo C.

O início de tudo: democratização do acesso à Teoria de Mudança

Para o especialista, a Teoria de Mudança é uma ferramenta significativa, mas por necessidade de facilitação e apoio conceitual na sua construção, muitas vezes ela fica restrita a organizações com mais recursos financeiros disponíveis. “O disparador de motivação para a criação do Modelo C foi a vontade de criar um mecanismo que fosse capaz de democratizar o acesso de negócios de impacto socioambiental e de organizações que trabalham nesse campo à Teoria de Mudança”, explica.

Em 2015, em parceria com o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), a Move começou um conjunto de experimentos com o intuito de apoiar negócios e organizações que trabalham com impacto. Por meio de oficinas e encontros presencias, diversas organizações construíam ao mesmo tempo, de maneira coletiva, suas teorias de mudança.

“Quando nós iniciamos esse processo, compreendemos que esses negócios não chegam como uma folha em branco. Ao contrário, esses empreendedores chegam para o diálogo com um nível grande de maturidade sobre os seus planos de negócios com orientação do Canvas. Ao estudar a ferramenta, nós observamos elementos de diálogo e aproximação desta com elementos da Teoria de Mudança. Ficou claro que era necessário integrar as duas ferramentas. Com isso, fomos nos dando conta de que era importante romper com uma lógica que até então era vigente na produção dos negócios de impacto: pensar o negócio e o impacto separadamente”, observa.

O programa “Teoria de Mudança na Prática”

Esse processo ganhou corpo no ano passado com a entrada do Sense-Lab como parceiro, e do ICE e da Fundação Grupo Boticário como apoiadores. A parceria entre as quatro instituições deu início ao programa “Teoria de Mudança na Prática”, que resultou no Modelo C. O processo incluiu uma etapa de cocriação que, por meio de dois workshops, apoiou dez negócios de impacto de diferentes setores e procedências, além de quatro incubadoras, na construção de suas teorias de mudança a partir da modelagem do próprio negócio.

“Acreditamos que os negócios de impacto são um dos protótipos com maior histórico e abrangência de aplicação que temos hoje. Com esse tipo de negócio, os diferentes atores da sociedade e da economia podem aprender e incorporar diversos elementos para criar as organizações das quais precisamos. Entendemos que o Modelo C contribui para pensar em evoluir esse campo e esse experimento”, diz Andreas Ufer, sócio-fundador do Sense-Lab.

As quatro organizações participaram da seleção dos dez negócios. Aspectos como diversidade temática e territorial/regional e estágio (negócios pouco consolidados, com maior flexibilidade para repensar seus modelos) fizeram parte dos critérios para a seleção do grupo. Participaram do laboratório os negócios A Banca, Araucária+, Canalbloom, Instituto Feira Preta, Mancha Orgânica, Moralar, Movimento Choice, Pickcells, Sinapse Virtual e Velejando por um mundo melhor e as incubadoras Inovaparq, Instituto Gênesis, Porto Digital e Incubadora Tecnológica de Campina Grande.

Diversidade de perspectivas: legitimidade

Para Fernanda Bombardi, gerente executiva do ICE, a parceria entre as quatro organizações foi importante para dar ao processo e à nova ferramenta a diversidade de perspectivas e legitimidade necessárias. “São quatro organizações com experiências diversas no campo legitimando uma ferramenta importante para o ecossistema de negócios de impacto em contextos que vão desde questões ambientais como é o caso da Araucária+, o tipo de iniciativa que a Fundação Boticário apoia, até o caso da Pickcells, uma empresa que está criando uma solução tecnológica na área de Saúde para diminuição do custo de diagnósticos. É uma abordagem que pode funcionar em contextos completamente diferentes.”

O ICE possui entre suas ações o Programa de Incubação e Aceleração de Impacto, uma parceria com a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com o objetivo de ampliar o número de negócios de impacto qualificados e escaláveis prontos para receber investimentos e consolidar a atuação de aceleradoras e incubadoras na atração, seleção e acompanhamento do setor.

“O ICE é uma organização essencialmente articuladora que vê no trabalho com outras organizações um potencial de gerar mudança sistêmica. Acreditamos que ferramentas como essa ajudam incubadoras e aceleradoras e outras organizações intermediárias a apoiarem negócios de impacto promovendo a qualificação do ecossistema como um todo, o que resultará na maturidade necessária para atrair mais investimentos”, diz Fernanda.

Negócios de impacto e conservação da biodiversidade

Guilherme Karam, coordenador de Negócios e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, conta que há dois anos, a instituição, que trabalha pela conservação da biodiversidade brasileira, ingressou no ecossistema dos negócios de impacto socioambiental. “Percebemos que a conservação da natureza não será exitosa com apoio de órgãos públicos e da filantropia apenas, porque quando o projeto acaba, a iniciativa acaba também. Ter um modelo de negócio por trás, que se sustente além do período de financiamento gerando impacto socioambiental, seria perfeito. Então, começamos a olhar para esse ecossistema de negócios de impacto no Brasil, que no campo da conservação da biodiversidade ainda é bem incipiente.”

No 1º Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental, realizado em 2017 pela Pipe.Social com o apoio de mais de 40 parceiros, o tema da conservação da biodiversidade aparece com apenas 2% de todo o investimento no setor. O estudo consultou 579 negócios de impacto socioambiental com o intuito de criar um raio-x do ecossistema e acompanhar a evolução do campo. Na liderança dos temas está Educação (38%), seguido por Tecnologias Verdes (23%), Cidadania (12%), Saúde (10%), Finanças Sociais (9%) e Cidades (8%).

“O tema da conservação ainda é uma lacuna que precisamos ocupar no setor e entendemos que esse papel é nosso. Acabamos de desenhar nosso mapa estratégico para os próximos cinco anos e o apoio ao ecossistema de negócios de impacto passa a ser um dos nossos objetivos estratégicos para alcançar a conservação da biodiversidade brasileira”, diz o coordenador.

Guilherme afirma que o convite para integrar a iniciativa de construção do Modelo C foi importante também pela oportunidade de levar o tema da conservação da natureza para dentro das discussões realizadas durante o laboratório. A Fundação foi responsável pela indicação de dois negócios, já que ainda não havia nenhum com esse foco entre os dez nomes sugeridos para serem convidados. “Esse foi mais um indicador de como a temática da conservação pode ser ampliada dentro do ecossistema de negócios de impacto socioambiental no Brasil.”

Um dos negócios foi a Araucária+, projeto desenvolvido há mais de cinco anos pela Fundação Grupo Boticário com apoio da Fundação Certi, de Florianópolis. A iniciativa, que tem como foco a conservação da Floresta da Araucária, bastante ameaçada no sul do Brasil, acabou recebendo destaque no guia como ilustração de experiência prática de implementação do Modelo C.

Experiências práticas

Outra iniciativa indicada pela Fundação foi a Mancha Orgânica, uma startup do Rio de Janeiro cuja missão é descontaminar produtos de educação infantil a partir da utilização de pigmentos vegetais em substituição aos pigmentos feitos a partir de metais pesados. Repensando sua cadeia de valor, seu modelo de negócio e sua teoria de mudança durante o laboratório, a Mancha conseguiu demonstrar o impacto positivo que pretende ter na conservação da biodiversidade, uma vez que usa pigmentos naturais, ou seja, sua cadeia de valor pode contribuir para a conservação se induzir a produção responsável e a conservação nos locais onde esses pigmentos são extraídos.

“O laboratório foi de extremo valor para nós, pois além de nos conectar e possibilitar a troca com outros empreendedores tão inspiradores, nos proporcionou uma imersão de autoconhecimento e questionamento acerca do nosso modelo de negócio. Com a ajuda dos facilitadores, conseguimos aprofundar os conceitos que já existiam, criar novos objetivos e reconstruir nossa narrativa muito mais focados em gerar impacto positivo para além dos nossos consumidores”, conta Pedro Ivo, sócio-fundador da Mancha Orgânica.

Umas das organizações intermediárias participantes do laboratório foi o Porto Digital, um parque tecnológico composto por mais de 300 empresas e instituições atuantes nas áreas da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e da Economia Criativa. A iniciativa conta com aproximadamente 800 empreendedores e mais de 10 mil colaboradores, além de um núcleo de empreendedorismo, responsável por apoiar empreendimentos em seus diversos níveis de maturidade.

“Nossa participação permitiu um melhor entendimento das angústias dos empreendedores de impacto no momento de conectar impacto e negócio, uma experiência extremamente relevante para nossa equipe de incubação, pois tivemos a oportunidade de observar, escutar e conhecer empreendedores de diversos backgrounds de todas as regiões do país”, conta Jéssica Leite, analista de Inovação e Novos Negócios do Porto Digital.

Jéssica conta que a experiência foi replicada em um grupo de negócios apoiados pelo Porto Digital e foi possível observar uma construção mais embasada dos objetivos estratégicos desses negócios, além de constatar que os empreendedores apoiados já se apresentam ao mercado de maneira mais sólida como um empreendimento de impacto.

Andreas Ufer, do Sense-Lab, conta ainda sobre a possibilidade de expansão do uso da ferramenta. Além da aplicação durante a construção da nova abordagem, o Modelo C já foi empregado em pelo menos meia dúzia de cursos e processos de ideação para desenvolvimento de modelos de negócio de impacto a partir da estaca zero. “Como a metodologia segue a licença do Creative Commons, ela é de uso e alteração livres, contanto que as fontes sejam citadas. Com isso, temos também a expectativa de que qualquer pessoa ou organização, seja da academia, de aceleradoras, fomentadores do campo ou de qualquer outra proveniência possa adaptar e evoluir a abordagem. Esperamos que modelos muito melhores surjam a partir deste.”

Fonte: GIFE

Modelo C: uma nova abordagem para o campo dos Negócios de Impacto Socioambiental no Brasil

 

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