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Conheça os impactos do projeto de lei de reforma tributária do governo federal sobre as OSCs

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Em julho deste ano, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL 3887/20) de reforma tributária que prevê a criação de uma nova contribuição para o custeio da seguridade social. O imposto é denominado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e substituiria o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Na análise de especialistas, se aprovado, o novo tributo terá impacto negativo sobre a atuação das organizações da sociedade civil (OSCs), já que a alíquota de 12% sobre a receita bruta representa um valor muito acima do regime específico de tributação dedicado às organizações sem fins lucrativos do PIS (1% sobre a folha de salários) e da COFINS (que isenta as receitas próprias e tributa o restante em 3% ou 7,6%).

Na avaliação de Laís de Figueirêdo Lopes, sócia do Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes Advogados (SBSA Advogados), “ainda que a CBS preveja não-cumulatividade, com compensação da contribuição paga em etapas anteriores do processo produtivo, as OSCs, majoritariamente provedoras de serviços com pessoal próprio, terão poucos créditos a compensar, o que tornará sua alíquota efetiva bem próxima dos 12%”.

Flavia Regina de Souza Oliveira, sócia do Mattos Filho Advogados, explica que apesar de o PL 3.887/2020 não alterar em si o regime tributário das OSCs, a proposta condiciona a imunidade à CBS aos termos do atual artigo 195, parágrafo 7º da Constituição Federal, hoje regulado pela Lei nº 12.101/2009, a qual exige a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social, o CEBAS, das organizações para a fruição da imunidade. “Há o risco de que as entidades imunes que não possuem CEBAS e também as entidades isentas sejam potencialmente tributadas e excessivamente oneradas pela CBS”, alerta.

Em artigo publicado no Estadão, Flavia observa que “além de requerer a observância de diversas contrapartidas complexas, o processo de certificação do CEBAS é burocrático e de difícil acesso, demandando um grande esforço das entidades junto aos Ministérios certificadores. Além disso, o CEBAS é voltado apenas a entidades de educação, saúde e/ou assistência social, não contemplando diversas outras frentes de atuação das organizações da sociedade civil, tais como meio ambiente, direitos humanos e cultura”.

Por sua vez, o SBSA Advogados, que atua no campo da sociedade civil organizada e em processos de advocacy ligados ao ambiente regulatório das OSCs, sistematizou as principais considerações sobre o impacto do PL sobre as organizações. Entre os pontos de atenção apresentados no documento estão: doações, anuidades e mensalidades; recursos públicos;  projetos incentivados; vendas a pessoas físicas; doações a museus; e importações por instituições científicas e tecnológicas.

Doações, anuidades e mensalidades

Ambos os escritórios alertam para o risco de tributação sobre doações privadas e anuidades e mensalidades recebidas por associações em razão de o texto do projeto de lei não especificar o que compõe as receitas que estarão isentas do novo imposto.

Flavia explica que como é hoje (tributação do PIS incidente sobre a folha de salários e a COFINS apenas sobre as receitas não próprias, excluídas expressamente aquelas decorrentes do exercício do objeto social da entidade), as organizações não têm que lidar com esse debate.

“Com a extinção do PIS e da COFINS e sua substituição pela CBS, a Receita Federal pode ter uma interpretação extensiva da base de cálculo da contribuição, visando a abranger todas as receitas das OSCs. A melhor forma de evitar que isso ocorra seria acrescentar a isenção da CBS às associações e fundações privadas sem fins lucrativos no rol do artigo 22 do PL 3.887/2020”, defende.

De mesma opinião, o SBSA Advogados propõe a apresentação e aprovação de emenda aditiva para inclusão do seguinte inciso ao artigo 22 (São isentas da CBS as receitas decorrentes):

VIII – de dotações de mantenedores e doações a organizações da sociedade civil de que trata a Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, e do pagamento de contribuições associativas a associações de fins não econômicos de que trata o artigo 53 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Aline Viotto, coordenadora de advocacy do GIFE, observa ainda o risco de a aprovação de uma lei que não expresse nestes termos a isenção das organizações à CBS implicar na tributação dupla das doações, em virtude de essas mesmas doações serem hoje, em geral, objeto do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

“Essas doações não deveriam ser tributadas, seja pelo ITCMD, seja por qualquer outro imposto, pois estamos falando de pessoas e entidades que abrem mão de recursos privados para fins de interesse público. As doações deveriam sim ser incentivadas com a imunidade tributária, como já acontece em diversos países. Ao que tudo indica, as doações são uma fonte de financiamento relevante para as organizações nas suas mais diversas formas (doação de bens, recursos e trabalho voluntário) e o contexto de pandemia reforçou ainda mais sua centralidade”, explica a coordenadora.

Recursos públicos e projetos incentivados

Outro ponto de atenção, segundo o SBSA Advogados, diz respeito à tributação do repasse de recursos públicos transferidos por instrumentos de parceria como termos de fomento, termos de colaboração, termos de parceria ou contratos de gestão, bem como doações e patrocínios a projetos aprovados no âmbito de leis de incentivo da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios a projetos culturais, audiovisuais, esportivos, de saúde e afins.

“Nesses instrumentos contratuais, as OSCs são mandatárias dos recursos públicos para a execução de projetos com orçamentos vinculados e não ficam com margem alguma. Tributar as transferências de recursos da administração pública e os projetos incentivados é um desserviço que, se aprovado, elevará os custos dos projetos e para as empresas doadoras, que terão que arcar com 12% de aumento nos orçamentos para pagar a CBS federal, dificultando ainda mais a disponibilidade financeira para as políticas públicas executadas pelas organizações em parceria com o poder público ou com recursos de leis de incentivo”, explica Laís.

Advocacy

Para Laís, a proposta do governo federal impõe ao setor um trabalho de advocacy junto ao Congresso Nacional e à sociedade civil organizada para a apresentação e aprovação de emendas que considerem as particularidades das OSCs e de suas fontes de financiamento.

“O Congresso Nacional tem tido um papel relevante durante a pandemia ofertando contrapontos e apresentando alternativas às propostas “inadequadas” do governo federal, como no caso do auxílio emergencial, cujo valor de R$ 600 não teria sido implementado não fosse a ação dos parlamentares. Existem organizações em todo o país que podem acionar os parlamentares de seus respectivos estados para que não deixem esse absurdo prosperar”, observa a advogada.

Manifesto

Na terça-feira (01/09), onze entidades ligadas ao setor divulgaram um manifesto contra as propostas de reforma tributária do governo federal, incluindo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramita na Câmara dos Deputados, e a PEC 110, no Senado.

O documento é assinado por Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee), Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), Associação Paulista de Fundações (APF), Confederação Brasileira de Fundações (Cebraf), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), Confederação Israelita do Brasil (Conib), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional), Federação Brasileira de Associações Socioeducacionais de Adolescentes (Febraeda), Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp) e Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif).

“Se por um lado, lamentavelmente, o Brasil já é um país que pouco incentiva a doação por parte de empresas e pessoas físicas em favor das entidades sem finalidade de lucro, pois são parcos, tímidos e poucos os programas de benefícios fiscais em favor dos doadores, por outro, o Estado brasileiro não se intimida quando enxerga justamente nestas atividades caritativas uma fonte arrecadatória”, afirma trecho do manifesto.

Eduardo Szazi, sócio do SBSA Advogados, lembra que, em regimes democráticos, as OSCs são as primeiras a mostrar reação a iminente perigo, pois estão na linha de frente e expressam todos os valores caros a uma democracia: liberdade de associação, expressão, reunião e iniciativa; diversidade e respeito às diferenças; e participação popular nos destinos nacionais.

“Se as OSCs sofrem ou morrem, esses valores estão sob risco. É preciso, então, sensibilizar os parlamentares para o papel dessas organizações na manutenção da democracia”, conclui.

Na sexta-feira (04/09), foi cancelada a urgência da tramitação do PL 3.887/2020 a pedido do presidente da República, o que significa que não há mais prazo para apreciação do projeto sob pena de trancamento da pauta da Câmara Federal.

 

Fonte: GIFE

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