A cobrança de contribuições dos componentes de uma associação para manutenção desta é um tema que desperta dúvidas: É possível tal cobrança? Em quais circunstâncias? Pode ser mensal, anual, tem uma periodicidade determinada? Todos os associados devem contribuir? Pode-se penalizar o associado inadimplente? Qual o parâmetro de valor a ser cobrado? Como estas contribuições são registradas na movimentação contábil da OSC?
Estas são apenas algumas das questões que rotineiramente aparecem para a equipe do OSC LEGAL Instituto. Cada uma destas merece uma abordagem particular, já que representam as demandas reais e cotidianas das entidades. Nosso compromisso é trazê-las e proporcionar alguma luz sobre as dúvidas (aguardem cenas dos próximos capítulos).
Para começar, entendemos que a contribuição dos associados é uma fonte muito importante de captação de recursos para a entidade. O espírito associativo se materializa também na contribuição financeira daqueles que tem condições materiais para tal. Afinal a entidade precisa arcar com as despesas de sua manutenção básica: taxas cartorárias, assessoria contábil, energia elétrica, agua, internet, telefone, etc.
Mas por ora vamos nos dedicar a um tema específico: a possibilidade de que um associado inadimplente para com a associação possa se desligar livremente, mesmo estando devedor das contribuições financeiras à conta institucional.
Recentemente, no final de setembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre o assunto, fixando entendimento de repercussão geral, Tema nº 922: “É inconstitucional o condicionamento da desfiliação de associado à quitação de débito referente a benefício obtido por intermédio da associação ou ao pagamento de multa”¹.
Isto significa que a entidade não pode impor qualquer condição para o desligamento dos associados que desejarem se desfiliar. Tal proibição tem base na Constituição Federal, art. 5º, XX: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Este tema também foi tratado no artigo 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando afirma que ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Assim, não pode a entidade dispor em seu estatuto de regra que condicione o desligamento do associado ao pagamento dos débitos. Também não pode a diretoria, assembleia geral ou qualquer dirigente impor tais obstáculos. O associado tem o direito constitucional de permanecer ou não vinculado à entidade, trata-se de uma escolha da pessoa. Aliás, é sempre recomendável que esta previsão constitucional esteja elencada dentre os direitos dos associados².
E o débito, como resolver?
Já sabemos que a entidade não pode compelir ninguém a permanecer associado. Entretanto, a associação pode e deve tomar todas as providências para cobrar do devedor tudo o quanto lhe é devido. Tal cobrança poderá ser judicial ou extrajudicial, a melhor estratégia para essa tarefa deve ser decidida no caso concreto.
Neste sentido, o relator Ministro Dias Toffoli, no recente julgamento, esclarece:
“É certo que a associação pode, se for o caso, se valer dos instrumentos de direito – como, por exemplo, o ajuizamento de execução de título extrajudicial, de ação monitória, de ação ordinária etc. – para a cobrança de eventuais compensações ou multas em face do sujeito que a ela se filia para obter benefícios, mas, após, dela se desliga, evidenciando conduta incompatível com o interesse associativo. Tal cobrança é, sem dúvida, harmônica com a dimensão negativa da liberdade de associação.”
O relator traz ainda em seu voto o entendimento da Procuradoria-Geral da República, que se manifestou da seguinte forma:
“A imposição, seja por via estatutária, seja por atos emanados de outros associados ou prepostos destes, de quaisquer condições ou requisitos para que se efetive o desligamento postulado por associados ofende o conteúdo do direito de associação, viola a Constituição e é nula de pleno direito”.
Os dirigentes associativos têm que cuidar dos interesses da entidade e de sua manutenção, cobrando de todos os devedores aquilo que é devido. Mas nesta tarefa, não se pode violar a legislação, muito menos a Constituição Federal. Este é um desacerto comum nos estatutos das associações.
A discussão que trouxemos aqui tem como pano de fundo a influência do direito constitucional na dinâmica das entidades privadas, no caso em concreto, das associações. É importante que as entidades estejam em conformidade com as normas, a começar pela Constituição Federal.
Fonte: OSC Legal Instituto