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REGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL DA LEI 13.019/2014 SOB A PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL: EXPERIÊNCIA DA PREFEITURA DE JUNDIAÍ-SP 

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Rodrigo Mendes Pereira (SP) 

Advogado graduado pela USP, doutor em serviço social pela PUC-SP, mestre em ciências da religião pela PUC-SP e especialista (MBA) em gestão social pela FIA-USP. 

Considerando que a Lei 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC (a nova lei entrou em vigor em 23 de janeiro de 2016 para a União, Estados e Distrito Federal; para os Municípios a lei entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2017), representa uma grande conquista ao estimular a gestão pública democrática nas diferentes esferas de governo, ao valorizar as organizações da sociedade civil (OSCs) como parceiras do Estado na garantia e efetivação de direitos e ao amparar as parcerias com regras válidas em todo o país e com foco no controle de resultados, nasce a percepção de que o processo de regulamentação e implementação do MROSC, especialmente em nível municipal, tem potencial para ampliar a oferta e a qualidade dos serviços públicos sociais.

Neste contexto, esse artigo partilha a experiência do Município de Jundiaí-SP, que contou com a participação do autor deste texto na função de coordenar da Comissão Intersetorial das Parcerias (CIP), durante o período de abril de 2016 a dezembro de 2016, quando da publicação do Decreto Municipal nº 26.773, de 22/12/2016, de regulamentação do MROSC em Jundiaí-SP.

Esse processo pode ser qualificado como inovador, pelas seguintes circunstâncias: a) envolveu a criação de uma Comissão Intersetorial das Parceiras composta por servidores públicos de diversas Secretarias e órgãos públicos (atividades meio e fim); b) teve como metodologia de trabalho a construção coletiva e intersetorial, inclusive envolvendo a participação das OSCs em oficinas e em outras ocasiões de diálogo, o lançamento do portal “MROSC-Jundiaí” e a realização de Consulta Pública sobre a minuta do Decreto Municipal; c) teve como diretriz aprimorar o conteúdo e qualidade da relação entre a administração pública municipal e as OSCs (e não simplesmente regulamentar a lei em seus aspectos formais).

Antes da elaboração da minuta do Decreto Municipal de regulamentação da Lei 13.019/14, inclusive objetivando um “empodeiramento” do assunto pelos membros da Comissão, optou-se pela discussão de outros aspectos, indicados e comentados a seguir:

1) Problemática vigente: Levantamento da problemática referente aos convênios das Secretarias fins (assistência social, educação, cultura e saúde), bem como de elementos específicos das respectivas políticas setoriais para elaboração 2

dos anexos do Edital de Chamamento, inclusive envolvendo informações sobre os Conselhos de Política e Direitos vinculados as respectivas Secretarias fins. Neste momento, também se discutiu a abrangência do MROSC (em quais relações de “contratualização” ele se aplica e em quais não), como também se debateu, considerando apontamentos o Tribunal de Contas, quais relação se caracterizariam com convênios/parcerias e quais como contratos administrativos.

2) Regras de transição e prorrogação: Para maior segurança jurídica no tocante aos convênios existentes e não interrupção do desenvolvimento das atividades (serviços) e projetos das referidas políticas setoriais, definição e comunicação às OSCs das regras de transição, com a prorrogação dos convênios vigentes até 31 de dezembro de 2017, possibilitando que no 2017 sejam realizados ajustes nos instrumentos e procedimentos, capacitações conjuntas entre servidores públicos, colaboradores das OSCs e membros dos Conselhos Municipais, criação da Plataforma Eletrônica e, finalmente, a operacionalização do MROSC com a realização dos editais de chamamento pública (também os procedimentos de dispensa, inexigibilidade e não aplicação) e efetivação dos demais procedimentos e etapas/fases definidas na Lei 13.019/2014 para a celebração, execução, monitoramento e avalição e prestação de contas das parcerias.

3) Instrumentais padronizados, considerando as políticas setoriais e as particularidades municipais: Apresentação e discussão das minutas de Edital de Chamamento (também de seus anexos, o modelo de proposta de plano de trabalho, os critérios de seleção etc.) e de Termos de Colaboração e Fomento e Acordos de Cooperação, assim como de esboço de Fluxograma do procedimento municipal para a celebração das parcerias, inclusive envolvendo o procedimento de manifestação de interesse público (PMIS). Destacamos que essas minutas e esboços, que levam em conta os elementos específicos das respectivas políticas públicas setoriais, estão em constante fase de ajustes e aprimoramentos, inclusive em função da elaboração e recente publicação de materiais, modelos e minutas pelos demais entes políticos (governos federal, estaduais e municipais) e em função de estarmos em processo de compreensão e interpretação da nova legislação e sua harmonização com as outras normas de nosso sistema jurídico.

4) Decreto de Regulamentação Municipal: A minuta do Decreto de regulamentação municipal do MROSC passou por processo de Consulta Pública, realizada através do portal “MROSC-Jundiaí”. O Decreto Municipal nº 26.773, de 22/12/2016, de regulamentação da Lei 13.019/2014 em Jundiaí-SP, também considerou em seu texto as instruções do Tribunal de Constas do Estado de São Paulo (TCESP). Neste aspecto, destacamos que ainda existem desconformidades entre as instruções do TCESP e as disposições da Lei 13.01/2014, o que sugere até mesmo necessária adequação do Decreto na medida em que houver aderência e harmonização das instruções à lei.

5) Plataforma eletrônica e manuais de prestação de contas: Em observância do princípio e diretriz da transparência do MROSC, a criação da Plataforma MROSC – Prefeitura de Jundiaí (prevista para o ano de 2017) tem como objetivo desenvolver e disponibilizar um sistema integrado ao @SIIM (Sistema 3

Integrado de Informações Municipais), em atendimento a Lei 13.019/14, para auxiliar na gestão dos repasses do terceiro setor, envolvendo a gestão de todo o procedimento e etapas das parcerias (termos de colaboração e de fomento). Também a elaboração de Manuais de prestação de contas (prevista para 2017), considera tanto as disposições do MROSC quanto a instruções do TCESP, embora ainda existem desconformidades entre esses instrumentos normativos (isto também sugere adequação do Manuais na medida em que houver aderência e harmonização das instruções à lei).

6) Capacitação: No processo de regulamentação do MROSC, os integrantes da Comissão Intersetorial das Parceiras provocaram a realização, pela Escola de Governo e Gestão do Município (EGGM), de curso de capacitação/treinamento a servidores públicos sobre a temática “indicadores sociais, avaliação e monitoramento”, para que a gestão pública conte com servidores capazes de estabelecer processos de criação de indicadores sociais, definição de metas e avaliação da qualidade dos Planos de Trabalho, tendo com objeto as parcerias/convênios entre a administração pública e as OSCs. Neste contexto, esclarecemos que embora no processo de regulamentação ocorreram vários momentos de diálogo entre a administração pública municipal e as OSCs, considera-se o ano de 2017 fundamental para o aprofundamento deste diálogo e integração, inclusive considerando a disposição do artigo 69 do Decreto de Jundiaí, que indica a implantação de Programa de Capacitação destinado aos servidores públicos, colaboradores das OSCs e membros dos Conselhos Municipais.

Passamos, a título meramente exemplificativo (torna-se difícil a escolha, uma vez que vários aspectos merecem detalhamento), a fazer alguns destaques do MROSC, esclarecendo preliminarmente que em sua regulamentação no Município de Jundiaí considerou-se uma aproximação com a já existente estrutura operacional e procedimental utilizada pela Prefeitura referente aos processos licitatórios (embora disponha sobre outros assuntos, no tocante à “contratualização” podemos identificar a Lei 13.019/2014 com uma espécie de “lei das licitações para das OSCs”):

a) A seleção e celebração da parceria não podem estar condicionadas a existência de quaisquer certificações, qualificações e/ou titulações das OSCs. Entretanto, nos termos do art. 2º-A da lei, também devem ser considerados disposições e requisitos normativos das respectivas políticas públicas setoriais, inclusive com relação aos processos de dispensa de chamamento na hipótese do inciso VI, do art. 30, da lei. Um instrumento de harmonização, especificamente para o campo da Política de Assistência Social, é a Resolução CNAS nº 21, de 24/11/2016, sujeita ainda a interpretações necessárias para sua operacionalização.

b) Chamamento público obrigatório e amplo como regra, com exceções no tocante a sua obrigatoriedade, nas hipóteses de dispensa, inexigibilidade e de não aplicação (respectivamente arts. 30, 31 e 29 da lei). No tocante a interpretação § 2º do art. 24 da lei, a equipe do MROSC do governo federal assim se manifesta: “A regra, então, é que o chamamento público seja amplo, sem restrições baseadas em aspectos de territorialidade. Portanto, é possível 4

que uma organização com sede em uma localidade participe de chamamento público em outra localidade. A exceção é quando a administração pública entender como necessários o estabelecimento de critérios que sejam pertinentes e relevantes para a parceria e, dessa forma, explicitar no chamamento público esses critérios justificáveis, que restrinjam a seleção a organizações de um determinado município ou território, por exemplo”. 

c) Edital de chamamento e aspectos a serem consolidados: 1) previsão de prazo de vigência do edital (possibilidade de selecionar várias propostas; depois a administração vai chamando as OSCs com propostas de planos de trabalho selecionadas, na ordem de classificação, para elas apresentarem o plano de trabalho e celebrarem a parceria); c2) discussão sobre o “peso” e forma de tratar o custo/valor de referência nos critérios de seleção, levando em conta a disposição do art. 27 da lei, no sentido de que constitui critério obrigatório do julgamento “o grau de adequação da proposta aos objetivos específicos do programa ou da ação em que se insere o objeto da parceria e, quando for o caso, ao valor de referência”. 

d) Atuação e competências dos Conselhos de Políticas e de Direitos no processo de gestão das parcerias: Nos termos dos arts. 2º-A e 60 da lei e em decorrência da configuração legal das políticas pública setoriais, as parcerias devem respeitar as instâncias de pactuação e deliberação, competindo aos conselhos de políticas públicas acompanhar e fiscalizar a execução da parceira. Mais especificamente no tocante aos fundos específicos e respectivos Conselhos de Direitos, o § 1º do art. 27 e o § 2º do art. 59 da lei dispõem sobre a possibilidade e a forma de participação dos conselhos gestores nos procedimentos seleção e monitoramento e avaliação. Destacamos que estamos ainda em processo de compatibilização entre as atribuições dos Conselhos e as atribuições da administração pública (da Comissão de seleção, do gestor da parceria e da Comissão de monitoramento e avaliação).

d) A análise da prestação de contas deverá considerar a verdade real, os resultados alcançados e, em especial, a priorização do controle de resultados como diretriz fundamental do regime jurídico de parceria, conforme indicado respectivamente no § 3º do art. 64 e no inciso II do art. 6º da lei. Entretanto, “como a lei é uma espécie de transição entre o controle de resultados e de meios”, ressaltamos que a mudança de paradigma do controle de meios para o controle de resultados vai avançar na medida em que as análises e relatórios de execução forem mais substanciais, possibilitando maiores subsídios e segurança aos órgãos de controle, no tocante ao alcance dos resultados pela parceria.

Olhando a situação sob a perspectiva das OSCs e considerando seus desafios, além da superação do cenário de inseguranças, desconfianças e dúvidas (muitas delas, frise-se, decorrem do simples fato de que o MROSC é uma “novidade” que ocasiona uma fase de transição; elas serão solucionadas no decorrer da operacionalização do MROSC e do diálogo e capacitação), fica evidente o necessário aprimoramento do planejamento e gestão das OSCs em todas as suas áreas e setores (institucional e estatutária, administrativa, orçamentária, financeira, 5

contábil, jurídica, tributária, de recursos humanos, contratual, documental, captação e mobilização de recursos etc.), como também fica evidente o necessário aprimoramento da adequação de suas atividades e projetos às configurações e normativas das políticas públicas setoriais.

Neste contexto, aspectos específicos do MROSC, tais como os obrigatórios chamamentos públicos (com suas dispensas e inexigibilidades), os projetos de fomento, o procedimento de manifestação de interesse social (PMIS), a priorização do controle de resultados na prestação de contas por meio de plataforma eletrônica (neste aspecto, recomenda-se ainda cautela), os incentivos e benefícios concedidos independentemente de certificação, a atuação em rede, a ampliação da possibilidade de remuneração de dirigentes estatutários (aqui, também, recomenda-se cautela), a vedação das contrapartidas financeiras, a remuneração de pessoal próprio da OSC, a aquisição de equipamentos e materiais permanentes e o pagamento de serviços de adequação de espaço físico, o pagamento de verbas rescisórias, encargos tributários e trabalhistas, custos indiretos, diárias, dentre outras inovações, devem ser consideradas pelas OSCs em seu planejamento e gestão.

Também especificamente no tocante às inovações trazidas pela Lei 13.019/14, no aprimoramento de seu planejamento e gestão, as OSCs devem considerar o cumprimento dos requisitos estatutários e documentais para celebração dos Termos de Colaboração e de Fomento (arts. 33 e 34 da lei), como também os referentes à não existência de vedações/impedimentos (art. 39 da lei). Sobre este aspecto, destacamos que os chamamentos públicos são pautados pela inversão do procedimento na seleção, inspirada no processo de “pregão” da lei de licitação, ou seja: primeiro efetiva-se a seleção de propostas de plano de trabalho; depois a habilitação das OSCs com propostas selecionadas (verificação dos requisitos para celebração e da não existência de vedações/impedimentos) e a apresentação e aprovação do plano de trabalho.

Finalmente, com relação aos aspectos estatutários trazidos pelo MROSC, elucidamos que embora, em tese (segundo a opinião de muitos advogados experts em terceiro setor), não seja necessária a inclusão de cláusulas estatutárias literais do art. 33 (requisitos estatutários para a celebração das parcerias) e do art. 2, I, “a”, da lei (caracterização das associações e fundações privadas como OSCs), inclusive porque muitas OSCs com CEBAS ou qualificadas com OSCIP ou inscritas nos Conselhos já as prevejam de certa forma e, ainda, porque o art. 33 refere-se a “normas de organização interna” (não precisaria estar prevista no Estatuto Social, pois essas normas poderiam ser regimentos internos, resolução de diretorias etc.), recomenda-se, como cautela, a literalidade estatutária dessas previsões, inclusive com a inclusão de cláusula estatutária necessária para as OSCs exercerem os benefícios do art. 84-B, conforme indicado no parágrafo único, do art. 84-C da lei. Nessas questões estatutárias, destacamos que a literalidade de tais adequações no Estatuto Social objetivam, inclusive, integrar ao “DNA” das OSCs o “DNA” do regime jurídico geral instituído pela Lei 13.019/14 (MROSC).

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