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Alterações nas regras de captação de recursos públicos no Terceiro Setor

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Alterações nas regras de captação de recursos públicos no Terceiro Setor

Lei 13.019/14, alterada pela lei 13.204/15, muda significativamente o conceito de parcerias com os poderes públicos.

José Alberto Tozzi*

 

O Terceiro Setor vivencia atualmente um forte movimento de regulação para ampliar sua capacidade de desenvolver vantagens competitivas, especialmente a partir das novidades nas formas de captação de recursos que têm se proliferado tanto em chamamentos públicos (para verbas públicas) quanto em editais (para as privadas). O acesso a esses recursos disponíveis, porém, envolve cada vez mais disputas nos âmbitos de qualidade e de custo. Isso amplia a necessidade de controle e gestão, o que obriga as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) a se adaptarem às novidades para não ficarem fora do mercado.

 

Neste contexto foi aprovada, em julho de 2014, a lei 13.019/14 que regulariza as parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público. Porem a sua entrada em vigor foi seguidamente prorrogada até a publicação da lei 13.204/15 em 14 de dezembro de 2015 que, além de alterar os prazos de vigência, trouxe uma série de modificações no texto da lei original.

 

O objetivo deste artigo é tratar das principais alterações e seus impactos na prática diária das OSCs e dos entes federados. As seguintes alterações merecem destaque:

 

Vigência – após diversas prorrogações, a vigência para os municípios foi escalonada, ou seja, a lei manteve a entrada em vigor para janeiro de 2016 para os recursos Federais, Estaduais e do Distrito Federal e, para os recursos municipais, o prazo foi para 1º de janeiro de 2017, facultando que estes implementem a lei a partir da 23 de janeiro de 2016 por ato administrativo próprio. Considera-se muito bem vinda está prorrogação para os municípios, uma vez que estes poderão aproveitar da experiência dos Estados e União. Porem entende-se que não se deve “deitar em berço esplendido” e começar já a implantação dos novos conceitos.

 

Parcerias – Foram incluídas as Cooperativas que atuam com vulnerabilidade social e cooperativas sociais de combate à pobreza e geração de trabalho e renda. Também Institui-se o Acordo de cooperação que é uma parceria sem transferência de recursos.

 

O artigo 2A estabelece:  As parcerias disciplinadas nesta Lei respeitarão, em todos os seus aspectos, as normas específicas das políticas públicas setoriais relativas ao objeto da parceria e as respectivas instâncias de pactuação e deliberação. O que significa um reconhecimento das políticas sociais estabelecidas. Ainda nesta linhq incluiu a consulta aos conselhos setoriais de políticas públicas e a Administração pública quanto à políticas e ações voltadas ao fortalecimento das relações da parceria.

 

Determinou a participação, nas Comissões de seleção e de Monitoramento e Avaliação, de pelo menos um servidor ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da administração pública. Donde subtende-se que qualquer outro cidadão, representante, ou não de Conselhos, poderá participar destas comissões.

 

Chamamento Público – foi incluído o conceito de Territorialidade que limita geograficamente o chamamento, nos casos de organizações sediadas ou atuantes em determinada unidade da federação por imperativos das políticas públicas.

 

Estabeleceu também a isenção de chamamento público para as transferências nos casos que envolvam recursos transferidos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação. Acrescentou mais uma situação de dispensa de chamamento público – para as atividades de educação, saúde e assistência social, o chamamento público não será necessário nos casos em que a OSC estiver previamente credenciada pelo órgão gestor da respectiva política. Isto pressupõe que, de alguma forma, deverá haver uma cadastro das OSCs habilitadas, em cada ente federado, na execução destas políticas públicas. Considerando que pelo menos a nível municipal, a maioria absoluta dos recursos são destinados à estas três políticas públicas, é de se supor que parte substancial dos termos de colaboração serão assinados sem a necessidade de chamamento público. Obviamente não exclui a obrigatoriedade de seguir as demais obrigações previstas na lei.

 

O plano de trabalho a ser apresentado no chamemento público foi simplificado retirando exigencies tais como: comprovação da compatibilidade dos custos com os preços de Mercado, plano de aplicação dos recursos, estimativa dos encargos sociais, cronograma de desembolsos, modo, periodicidade e prazos para análise das prestações de contas.

 

Seleção e Celebração – a nova lei escalona o tempo mínimo de existência exigido para as OSCs: 1 ano para recursos municipais; 2 anos para estaduais; e 3 anos para recursos da União, admitida a redução desses prazos por ato específico de cada ente na hipótese de nenhuma organização atingi-los.

 

Foi retirado da lei o item que exigia documento que evidenciasse a situação das instalações e as condições materiais da entidade, quando essas instalações e condições forem necessárias para a realização do objeto pactuado

 

Formalização e Execução – a atuação em rede foi simplificada e a OSC deve comunicar à administração pública em até 60 dias a assinatura do termo de atuação em rede.

 

Foi revogada a obrigatoriedade do regulamento de compras e contratações o que, num primeiro momento, parece bom e desburocratizante, mas preocupa bastante na medida em que a lei tem critérios rígidos para não pagamento de servidores públicos a qualquer título e a utilização dos recursos em finalidade alheia ao objeto da parceria. A pergunta que permanece é “como os gestores responsáveis pela parceria terão certeza da utilização adequada dos recursos sem um procedimento de controle e gestão ?”. Portanto considera-se que, mesmo não obrigatório, seria salutar que a OSC tivesse um regulamento de compras e contratações simples e aplicável a todas as suas atividades, independente da origem dos recursos.

 

Também foi revogada a obrigatoriedade de manutenção de conselho fiscal, o que é uma perda significativa para os conceitos de transparência e gestão, na medida em que este órgão é fundamental para o controle e gestão da OSC.

 

Manteve-se a obrigatoriedade de que a OSC tenha objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de relevância pública e social, siga as Normas Brasileiras de Contabilidade e preveja que em caso de dissolução transfira o patrimônio remanescente a outra pessoa jurídica com objetivos da mesma natureza e que preencha os requisitos da lei. A novidade é que isto esteja estabelecido em normas de organização interna e não necessariamente no estatuto. Pressupõe-se portanto, que a previsão em um regimento interno, por exemplo, seja suficiente.

 

Foi mantida a obrigação de conta corrente em banco público, com isenção da tarifa bancária, permitindo desembolsos em espécie em caso de impossibilidade, comprovada, de pagamento atraves de banco.

 

Foi revogada a obrigatoriedade da OSC inserir cláusula, no contrato que celebrasse com fornecedor de bens ou serviços com a finalidade de executar o objeto da parceria, que permitisse o livre acesso dos servidores ou empregados dos órgãos ou das entidades públicas repassadoras dos recursos públicos, bem como dos órgãos de controle, aos documentos e registros contábeis da empresa contratada.

 

Prestação de contas – Foi retirado o corte de 600 mil para prestação de contas simplificada, possibilitando que cada ente federado crie suas regras simplificação de acordo com a sua realidade. Redefiniu-se a prestação de contas parcial apenas para as parcerias cujo prazo de duração seja superior a um ano.

 

 

Transparência e Controle – Foi retirada a obrigatoriedade da administração pública divulgar os valores aprovados em lei orçamentária para execução de programas e ações do plano plurianual. Alterou-se a obrigatoriedade de informação sobre as parcerias fixando que a administração pública deverá manter por 180 dias, em seu sítio oficial na internet, a relação das parcerias celebradas e respectivos planos de trabalho após o respectivo encerramento.

 

Regras de Transição – Disciplina que as parcerias existentes no momento da entrada em vigor da lei permanecerão regidas pela legislação vigente ao tempo de sua celebração. As parcerias firmadas por prazo indeterminado serão adaptadas a Lei no prazo de um ano, ou serão rescindidas.

 

Vedações – Nas condições de impedimento para celebração de parcerias, proibia-se que a entidade tivesse dirigente ou parente que fosse funcionário público de qualquer esfera governamental. Agora limitou-se à esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração ou fomento.

 

Lei de Improbidade Administrativa – A nova lei traz significativas alterações na Lei da Improbidade Administrativa (8.429/92) que exigirá maior cuidado na operacionalização das Parcerias, transparência e efetividade da Administração.

A Responsabilidade em relação aos atos de omissão e não somente de atos praticados pelo Administrador e pelo Gestor Público devem ser disseminadas para evitar prejuízos inclusive pessoais.

 

Ações compensatórias – A nova lei possibilita à OSC a solicitação de autorização para a Administração Pública a fim de ressarcir o erário, apos a exaustão da fase recursal, por meio de ações compensatórias, o que não significa, na prática a devolução do recurso em dinheiro.

 

Extinção do Título de Utilidade Pública Federal – a nova lei estendeu os benefícios previstos na lei de utilidade pública federal e OSCIP a todas as entidades sem fins lucrativos e revogou a lei que instituiu a utilidade pública federal. A lei da OSCIP foi mantida, mas com várias alterações. A este respeito escrevemos um artigo específico que pode ser lido no site www.tozzi.com.br

 

 

Legislação complementar – um fator fundamental para a aplicação da lei é a sua regulamentação em todas as instâncias dos entes federados, ou seja, deve-se publicar decretos Federais, Estaduais e Municipais que adaptarão os termos da lei, naquilo que for pertinente, à realidade de cada ente federado.

CONCLUSÃO

Tendo em vista as mudanças exigidas pela nova lei, tanto no âmbito da administração pública, quanto na gestão das OSCs, sugere-se medidas a serem adotadas para a implantação dos novos conceitos:

 

Prazos: Apesar da prorrogação da vigência da lei, nos municípios, para janeiro de 2017, deve-se fazer uma boa análise das exigências para uma adaptação paulatina. Não nos esqueçamos que mudanças estruturais devem ser feitas o mais rápido possível para permitir a sua adaptação.

 

Conscientização: Este é um fator que pode impedir a implantação deste processo e inviabilizar a OSC num futuro próximo. Caso a entidade dependa de recursos públicos, as mudanças são obrigatórias para a sobrevivência da OSC.

 

Visão sistêmica: É preciso pensar em um processo com o envolvimento de diversas áreas e pessoas na OSC. Considere que o recurso restrito deve ser controlado em todo o seu movimento dentro da entidade, portanto todas as áreas envolvidas devem ter uma clara noção deste processo. Você já desenhou, mesmo que de forma simples, os processos na OSC em que você atua?

 Planejamento: Qual o papel que a contabilidade e o controle financeiro podem desempenhar na gestão da OSC? Quais são os projetos para o próximo ano, o volume de recursos necessário, a natureza destes recursos (restritos ou irrestritos), a necessidade de informações para prestação de contas?

 

 Estruturação: Os recursos restritos devem ser controlados separadamente, tanto nas receitas e despesas, quanto nos ativos e passivos. Portanto, o plano de contas precisa prever essa segregação. Além disso, cada projeto deve ser um centro de resultados, controlando, especificamente, as entradas e saídas daquele recurso restrito.

 

 Acompanhamento: Deve haver responsabilidades, prazos, cobranças e reuniões periódicas entre os envolvidos, o que chamo de Governança Interna, no nível operacional. Além disso, são estes resultados avaliados internamente que irão alimentar a Governança Estatutária da OSC para tomada de decisões estratégicas.

 

*José Alberto Tozzi – Formado em Administração de Empresas pela FGV, graduado em Ciências Contábeis e MBA Executivo Internacional na FIA. Mestre em Administração com ênfase no Terceiro Setor pela PUC – SP. Consultor, professor, palestrante, pesquisador e articulista de temos voltados ao Terceiro Setor. Autor de vários artigos, do livro SOS da ONG e do curso à distância – Gestão Profissional no Terceiro Setor.

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