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 As Emendas Parlamentares na Sistemática da Lei nº 13.019/14 (MROSC) 

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Luis Eduardo Patrone Regules1 

1 Luis Eduardo Patrone Regules – advogado em SP, Mestre em Direito do Estado pela PUCSP, Professor de Direito Constitucioanl do Curso de Especialização da PUCSP, autor do livro “Terceiro Setor – Regime Jurídico das OSCIPs, editora Método.

1- Notas Introdutórias 

O tema das emendas parlamentares ao orçamento público nos apresenta alguns desafios especialmente se analisado à luz da sistemática da Lei nº 13.019 que instituiu o marco regulatório das organizações da sociedade civil (MROSC).

Primeiramente, cumpre destacar que o MROSC busca atualizar as parcerias firmadas pelo Poder Público com as organizações do terceiro setor. Referida lei nacional pretende imprimir maior isonomia, transparência e eficiência às parcerias, após um período bastante turbulento em que parcela de convênios celebrados com o terceiro setor passou por questionamentos seja pela ausência de resultados práticos, seja porque desvios e fraudes que macularam a reputação desse modelo clássico de parcerias denominado convênio administrativo.

Por outro lado, a emenda à lei orçamentária apresentada pelos parlamentares integra o nosso ordenamento jurídico, não sem algumas críticas acerca da efetividade e da transparência desse intituto bastante arraigado à vida político-institucional do país.

Como as emendas parlamentares ao orçamento se adequam ao novo marco regulatório do terceiro setor? Teria sido ele superado pelo marco regulatório? Se aplicáveis as emendas parlametares ao sistema de parcerias previsto na Lei nº 13.019/14 existem derrogações ou condicionamentos decorrentes deste novo regime jurídico? As parcerias cujos recursos sejam provenientes de emendas ao orçamento serão precedidas de chamamento público?

As indagações são pertinentes na medida em que as emendas parlamentares ao orçamento integram a vida parlamentar nas diversas esferas da Federação. Ainda que em diversas oportunidades se apresentem como alvo de críticas por estudiosos, jornalistas, juristas, as emendas parlamentares permanecem em nosso sistema jurídico e como tal devem ser interpretadas, todavia 2

novos modelos jurídicos estão a emergir, a exemplo do MROSC, o que seguramente impõe uma releitura das emendas parlamentares.

2- Emendas Parlamentares à Lei Orçamatária: Breve Arcabouço Constitucional 

A iniciativa legislativa em matéria orçamentária compete ao Presidente da República (art. 84, inciso XXIII2), não obstante ao Legislador compete apreciar a peça orçamentária e realizar os destaques pertinentes, portanto as emendas ao Projeto de Lei Orçamentária que entender pertinentes. Estas Emendas Parlmentares por vezes implicam em indicações de recursos públicos a determinadas atividades sociais em cada região do País, assim como a organização da sociedade civil que deverá executá-las em regime de parceria.

2 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(….) 

XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;” 

Existem certos limites constitucionais inclusive em relação ao parlamentar, vez que o mesmo não pode aumentar despesa prevista em projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República (art. 63, inciso I – CF/88 / ADI 2.791 e ADI 4.009).

Assim, prescreve o Texto Constitucional (art. 63):

“Não será admitido aumento da despesa prevista: 

I – nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º; 

(….)”. 

A inconstitucionalidade desta natureza foi reconhecida pelo STF:

Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c o 61, §1º, II, c, da CF . (ADI 2.791, rel. min. Gilmar Mendes, j. 16-8-2006, P, DJ de 24-11-2006. = ADI 4.009, rel. min. Eros Grau, j. 4-2-2009, P, DJE de 29-5-2009 ) 3

Torna-se relevante destacar, ademais, que a partir da Emenda Constitucional nº 86 de 2015 houve alteração dos artigos 165, 166 e 198 da Carta Magna para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica, portanto passou-se a adotar o chamado “orçamento impositivo”.

Por esta mudança constitucional, que torna impositiva a execução das emendas individuais dos parlamentares ao orçamento da União, nos moldes previstos na Constituição, parcela do valor deverá ser aplicada na área da saúde.

3- A Lei nº 13.019/14 em sua versão original e a mudança promovida pela Lei nº 13.204/15 

A Lei nº 13.019/14 estabelecia em seu artigo 29:

Exceto nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei, a celebração de qualquer modalidade de parceria será precedida de chamamento público

Percebe-se facilmente que um dos tópicos desta lei traz para a celebração de parceria como regra a realização prévia de chamamento público.

O chamamento público foi o instrumento de convocação das organizações do terceiro setor pelo qual se estabelece uma relação de isonomia e transparência entre o Poder Público e estas organizações.

Ocorre que existem determinadas hipóteses previstas em lei que o chamamento público será objeto de dispensa ou inexigível justamente porque o interesse público será atendido por meio de celebração da parceria diretamente, o que nas contratações públicas se denomina de contratação direta. 

Pois bem, a Lei nº 13.019, em sua redação orginal, não trouxe menção expressa às emendas parlamentares como hipótese de dispensa ou inexigibilidade de chamamento público. Mesmo assim é sabido que este instituto contempla dentro de sua lógica, entre outras eleições de prioridade, não raras vezes, a própria organização da sociedade civil a ser escolhida com os recursos. Note-se que esta situação pode se confundir com a figura da dispensa de licitação (terminologia das contratações públicas), ou seja, oportunidade em que a licitação em tese seria possível, no entanto razões de interesse público definidos em lei fixam a possibilidade de celebração de parceria sem o prévio chamamento público. 4

Estas dúvidas iniciais a nosso juízo começaram a se dissipar com a edição da Lei nº 13.204/15, que modificou a Lei nº 13.019/14, visto que em seu artigo 29 trouxe os seguintes dizeres:

Art. 29. Os termos de colaboração ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem chamamento público, exceto, em relação aos acordos de cooperação, quando o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial, hipótese em que o respectivo chamamento público observará o disposto nesta Lei.”

Com efeito, a redação conferida a este dispositivo legal esclarece que as emendas parlamentares às leis orçamentarias anuais serão celebradas sem o chamamento público, ou seja, fica afastado o chamamento público.

Neste diapasão, nada impede que emenda parlamentar indique a localidade e o serviço de natureza social a ser aplicado o recurso sem que o processo orçamentário necessariamente assinale a organização da sociedade civil, consideramos que isto é factível e neste caso haveria naturalmente imposição ao órgão públicao para realizar chamamento público antes da celebração da parceria.

Ocorre que o processo de emendas parlamentares às leis orçamentarias em regra contempla a indicação da organização da sociedade civil para a qual será realizado o aporte de recursos públicos a título de parceria. Logo, este é o cenário mais factível quando referido instituto parlamentar for adotado. Não há, portanto, necessidade de prévio chamamento público.

A redação conferida pela Lei nº 13.204/15 a determinados dispositivos legais fixa como dispensa de realização do chamamento público as seguinte hipóteses:

Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do chamamento público: 

I – no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público, pelo prazo de até cento e oitenta dias; (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

II – nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à paz social; (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

III – quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança; 

IV – (VETADO). 5

V – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

VI – no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015).

Mais adiante a Lei nº 13.204/15 trata da inexigibilidade de chamamento público:

Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, especialmente quando: (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

I – o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos; (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

II – a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da subvenção prevista noinciso I do § 3o do art. 12 da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

Art. 32. Nas hipóteses dos arts. 30 e 31 desta Lei, a ausência de realização de chamamento público será justificada pelo administrador público.” (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

O legislador fixou no artigo 31 (inciso II) a inexigibilidade de chamamento público e assim considerou a hipótese em que a parceria “decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária”.

Pode-se cogitar, ainda, de situação em que o chamamento público ocorra mesmo por decorrência de emenda parlamentar à lei orçamentária desde que o processo parlamentar não indique determinada organização, aliás tal costume seria, em regra, até mesmo desejável, a aplicação de recursos públicos passaria pelo crivo da isonomia e da transparência tão relevantes para a consolidação das parcerias no país. Por óbvio, existem certos serviços de natureza social que são referência em determinado Município, deste modo a aplicação de recursos com a nominação prévia da organização da sociedade civil que presta aludidos serviços pode atender ao interesse público, desde que devidamente motivado. 6

O que não é possível à luz da Constituição Federal é que a exceção se torne regra, ou seja, que o princípio da seleção que se materializa no prévio chamamento público das organizações do terceiro setor ceda o passo aos mecanismos de parceria direta seja qual for a roupagem jurídico-administrativa adotada. Isto não se pode admitir sob pena de fraudar a intenção e a finalidade da norma constitucional que prestigia a isonomia, a publicidade, a moralidade administrativa, entre outros princípios constitucionais explícitos e implícitos que norteiam a administração pública, inclusive nas contratações e parcerias com o terceiro setor.

4- A Lei nº 13.019/14 com a alteração conferida pela Lei nº 13.204/15 incide sobre a Emenda Parlamentar à Lei Orçamentária? 

Consideramos que o MROSC incide sobre a Emenda Parlamentar à Lei Orçamentária. Não desnatura este instituto parlamentar provavelmente o revigora na medida em que as organizações da sociedade civil parceiras, ainda que escolhidas em decorrência do processo parlamentar de emenda ao orçamento, deverão observar determinados princípios e regras originários da Lei nº 13.019/14 com as alterações promovidas pela Lei nº 13.204/15.

Em seu artigo 29, redação original (Lei nº 13.019), a regra geral consubstanciada no chamamento público não trazia exceção, portanto por não existir menção expressa aos casos de emendas parlamentares tal conteúdo legal gerou certa dúvida e insegurança nos meios administrativos e políticos, visto que o novo Marco Regulatório guardava silêncio sobre essa hipótese clássica de parceria direta.

Reitere-se que as dúvidas tinham razão de ser. Os artigos 30 e 31 da Lei 13.019 (na sua versão original) que trataram da dispensa e da inexigibilidade de chamamento público não mencionavam a hipótese de emenda parlamentar fora do regime de chamamento público.

Nos debates mantidos quando da regulamentação do Decreto de parcerias na Prefeitura de São Paulo (2014/2016) durante a gestão Fernando Haddad, parcela dos assessores se inclinou pela tese da possibilidade de adoção da emenda parlamentar fora do regime de chamamento público, visto que a legislação específica trata das emendas parlamentares e é da sua gênese a aplicação de recursos via emenda ao orçamento público, destinando-os a determinadas atividades da área social. Além disto, a lei possibilita a indicação organização da sociedade civil local que reúna condições de execução das atividades em regime de parceria (sem chamamento público, portanto). 7

Contudo, como era de se supor, esta linha de raciocínio não era pacífica, pois havia corrente que entendia ter a Lei 13.019 fixado o regime de chamamento público também para as parcerias oriundas de emendas parlamentares ao orçamento público, haja vista que o chamamento público era a regra geral e nenhuma menção quanto à excepcionalidade havia em relação às emendas parlamentares.

Enquanto as debates internos se desenvolviam, a Lei 13.204/15, conforme mencionado, pacificou a questão ao estabelecer de maneira expressa e objetiva a hipótese de exclusão de chamamento público dos termos de colaboração ou de fomento oriundos das emendas parlamentares às leis orçamentarias anuais da celebração de parcerias (art. 29). Além disto, o legislador estabeleceu no artigo 31 (inciso II) hipótese de inexigibilidade de chamamento público em que figura a transferência de recursos por força de lei a organizações da sociedade civil, portanto a figura clássica das emendas parlamentares.

5- O que se aplica da Lei 13.019 às Emendas Parlamentares? 

É um erro imaginar que a Lei 13.019 não se aplica às Emendas Parlamentares. Ao contrário, afora o tema da não exigência de chamamento público, o resto da Lei nº 13.019/14 parece-nos que deve ser respeitado quando o assunto for parcerias (termos de colaboração e cooperação).

O artigo 22 alude ao “plano de trabalho” e também à questão do objeto da parceria, devendo ser demonstrado o nexo entre essa realidade e as atividades, as metas a serem atingidas, etc.. Os artigos 33 a 35 estabelecem os “requisitos para celebração do termo de colaboração e do termo de fomento”. O artigo 39 faz menção às “vedações”. Outros dispositivos preveem o “monitoramento e avaliação”, “prestação de contas”, “da responsabilidade e das sanções”, e tantos outros artigos que nos parecem devam ser aplicados às parcerias ainda que os recursos sejam originários de emendas parlamentares ao orçamento.

Tal entendimento é reforçado pelo artigo 32, parágrafo 4º, da nº Lei 13.019, ao expor que os casos de dispensa e inexigibilidasde não afastam a aplicação dos demais dispositivos da lei.3

3 “Art. 32. (…) 8

§ 4o A dispensa e a inexigibilidade de chamamento público, bem como o disposto no art. 29, não afastam a aplicação dos demais dispositivos desta Lei.” (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

Alem disto, não se pode esquecer que a ausência de realização de chamamento público será justificada pelo administrador público, segundo artigo 32 da Lei 13.019. Por óbvio, neste caso não há como se falar em justificativa da escolha pelo administrador público, vez que nas emendas parlamentares a escolha da organização da sociedade civil parceira é realizada anteriormente. Todavia, as bases dessa escolha, ou seja, as condições básicas devem ser objeto de justificativa, não apenas diante do aprimoramento do controle de resultados da Lei nº 13.019, também aplicável a estas parceriais, sem descuidar do princípio da motivação, assim como, outros princípios, a exemplo do princípio da economicidade (a relação custo-benefício da parceria em questão, tendo em vista outras parcerias da mesma espécie).

Tradicionalmente estão os que se alinharam à defesa da realização do processo seletivo ainda quando estivermos diante de emendas parlamentares, esta foi a interpretação conferida em algumas ocasiões ao Decreto federal nº 6.170, de 2007, que estabeleceu a necessidade de processos seletivos para a realização de parcerias com organizações da sociedade civil, e mesmo ao Decreto 3.100, de 1999 (concurso de projetos), ou seja, mesmo as emendas parlamentares não teriam o condão de alterar a sistemática do processo seletivo. Contudo, tal interpretação mais restritiva às emendas parlamentares encontraram certo obstáculo na gênese desse processo parlamentar posto que decorre da Lei.

Sem dúvida a Lei tem beneficiado a interpretação mais permissiva em relação às emendas parlmentares. Com efeito, atualmente, a matéria do ponto de vista normativo (legal) encontra-se mais clara, após a revisão da Lei 13.019 (redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015), que expressamente autoriza em seu artigo 29 que “os termos de colaboração ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem chamamento público (…)”.

O que não implica, como dissemos, que os Poderes Públicos e as organizações parceiras sejam isentos ao cumprimento das demais obrigações decorrentes da Lei nº 13.019/14, sobretudo das regras de controle e monitoramento, das vedações, das penalidades aplicáveis, e tantas outras normas legais que estabelecem um novo patamar de relacionamento entre o Estado e as organizações do terceiro setor. Deste modo, a origem dos recursos das parceriais é público, seja por emenda parlamentar ou não (por outra via legislativa, não assiste razão a eventual alteração de 9 seu regime jurídico que há de estar submetido ao marco regulatório das organizações da sociedade civil (MROSC).

§ 4o A dispensa e a inexigibilidade de chamamento público, bem como o disposto no art. 29, não afastam a aplicação dos demais dispositivos desta Lei.” (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)

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